Tradução: Jorge Luiz Antonio (revisada e autorizada pelo autor)

Alea--Estudos Neolatinos, Vol. 10, #2, July/Dec 2008, Faculdade Letras da UFRJ, pp. 327-333.


BIOPOESIA

Eduardo Kac


A partir dos anos os anos 80 a poesia saiu efetivamente da página impressa. Desde os primeiros tempos do Minitel [1] até o surgimento do computador pessoal (PC) como um ambiente de escrita e leitura, temos presenciado o desenvolvimento de novas linguagens poéticas. Vídeo, holografia, programação, dispositivos portáteis, e Internet têm expandido as possibilidades e o alcance dessa nova poesia. Agora, num mundo de clones, quimeras e seres transgênicos, é tempo de considerar novas direções para a poesia in vivo. Proponho abaixo o uso da biotecnologia e de organismos vivos como um novo campo para a criação verbal.
 

1) Performance do microrobô – Escreva e faça performance com um micro-robô na linguagem das abelhas, para uma audiência de abelhas, numa dança semi-ficcional e semi-funcional.

2) Escrita atômica – posicione átomos com precisão e crie moléculas para enunciar palavras. Dê expressão a essas palavras moleculares em plantas e deixe-as germinar novas palavras através de mutação. Observe-as e aprecie o aroma da gramatologia molecular das flores que resultam dessa criação atômica.

3) Interação dialógica com mamíferos marinhos: componha texto sonoro manipulando parâmetros gravados de tom e freqüência da comunicação de golfinhos, para uma audiência de golfinhos. Observe como uma audiência de baleias responde e vice-versa.

4) Poesia transgênica: sintetize ADN de acordo com códigos inventados para escrever palavras e frases usando combinações de nucleotídeos. Incorpore essas palavras e frases de ADN no genoma de organismos vivos, os quais, então, serão passados aos seus descendentes, combinando com palavras de outros organismos. Por meio de mutação, perda natural e do intercâmbio de ADN, novas palavras e sentenças surgirão. Leia o transpoema novamente como sequenciamento do ADN mutante.




5) Telefante infrasônico – Os elefantes podem sustentar poderosas conversações infrasônicas a distâncias tão longas como 13 quilômetros. Essas podem ser percebidas por humanos particularmente sensíveis como variações de pressões de ar. Crie composições infrasônicas que funcionem como chamadas para elefantes a longa distância e as transmita de longe a uma população de elefantes da floresta.




6) Escrita amébica: mantenha a escrita num meio como agar usando as colônias de amebas como substância de inscrição e observe seu crescimento, movimento e interação até que o texto se transforme ou desapareça. Observe a escrita amébica ao microscópio e em escala macroscópica simultaneamente.

7) Sinalização à base de luciferase (luciferisignos) – Crie pirilampos-poetas manipulando genes que codificam bioluminescência, capacitando-os a usar suas luzes para dispositivos criativos, além dos usos habituais encontrados na natureza (por exemplo, assustar e afastar os predadores e atrair parceiros ou criaturas menores para devorar).

8) Composição biocromática dinâmica – use a linguagem cromática da lula para criar sequências cromáticas que comuniquem idéias concebidas a partir do mundo-próprio [2] da lula, mas sugerindo outras possíveis experiências.

9) Literatura aviária: ensine um papagaio cinza africano não simplesmente a ler, a falar e manipular símbolos, mas a compor e apresentar suas obras literárias.

10) Poética bacterial: duas idênticas colônias de bactérias dividem uma mesma placa de Petri. Uma colônia codifica um poema X num segmento de DNA, enquanto a outra tem um poema Y. Como elas competem pelos mesmos recursos, ou compartilham material genético, talvez somente uma colônia sobreviverá, talvez novas bactérias emergirão através da transferência horizontal do novo gene poético.

11) Xenográfica – Transplante um texto vivo de um organismo para outro, e vice-versa, de tal forma que crie uma tatuagem in vivo.

12) Texto-tecido – Cultive tecidos vivos em forma de palavras-estruturas. Cresça o tecido lentamente até que as formas das palavras-estruturas produzam uma fina película que as cubram e apaguem.

13) Proteopoética – crie um código que converta palavras em aminoácidos e escreva diretamente uma proteína-poema tridimensional, assim evitando o uso de um gene para codificar a proteína. Sintetize a proteína-poema. Modele-a em meios digitais e não digitais. Expresse-a em organismos vivos.

14) Agroverbália – Use um feixe de elétrons pra escrever diferentes palavras na superfície das sementes. Deixe as plantas crescerem e observe como as palavras produzem plantas robustas. Plante sementes em diferentes formações. Explore a hibridização de significados.

15) Nanopoesia – Estabeleça significados para pontos quânticos e nanosferas de cores diferentes. Expresse-os em células vivas. Observe como os pontos e as esferas se movem e em quais direções e leia os quantumvocábulos e as nanopalavras enquanto eles se movem através da estrutura interna tridimensional da célula. Ler é observação de trajetórias vetoriais dentro da célula. O significado geral do poema se modifica continuamente à medida que certos quantumvocábulos e nanopalavras estão próximos ou se afastam uns dos outros. A célula inteira é o substrato da escrita, como um campo de significado potencial.

16) Semântica molecular – Crie palavras moleculares dando significados fonéticos a átomos individuais. Com nanolitogafia dip-pen [3] posicione moléculas em uma superfície dourada atomicamente plana e assim  escreva um novo texto. O texto é feito de moléculas que são elas mesmas palavras.

17) Carbograma assintático – Crie sugestivas nanoarquiteturas verbais medindo apenas poucos bilionésimos de um metro de diâmetro.

18) Metáforas metabólicas – Controle o metabolismo de uma grande população de microorganismos dispersa em meio espesso, de tal forma que as palavras efêmeras possam ser produzidas por suas reações às específicas condições ambientais, tal como a exposição à luz. Permita que essas palavras vivas se dissipem naturalmente. Escrita e leitura se constituem no eventual desaparecimento do texto.

19) Audição háptica – Implante um microchip autoalimentado que emita um poema sonoro via contato (via pressão). O som não é suficientemente amplificado para ser ouvido através da pele. O ouvinte tem que fazer um contato físico com o poeta para que o som viaje do microchip dentro do corpo do poeta para o corpo do ouvinte. O ouvinte se torna o meio pelo qual o som é transmitido. O poema entra no corpo do ouvinte não através dos ouvidos, mas por dentro, através do próprio corpo.

20) Escriptogênese – Crie um organismo vivo inteiramente novo, que nunca tenha existido antes, reunindo primeiramente átomos em moléculas por meio da “Escrita Atômica” ou “Semântica Molecular”. Depois, organize essas moléculas num cromossomo mínimo, mas funcional. De modo idêntico sintetize um núcleo para esse cromossomo ou introduza-o num núcleo existente.  Faça o mesmo para toda a célula. A leitura ocorre através da observação das transformações citopoetológicas do cromossomo escriptogênico ao longo da vida do organismo unicelular, incluindo sua reprodução, multiplicação, e evolução.


[1] Minitel são terminais específicos de videotextos instalados na França a partir de 1978. O sucesso foi tão grande que em 1986 já haviam sido instalados 3 milhões de Minitel, que ofereciam aos usuários os serviços interativos os mais diversos: teleconsultas, telecompras, etc. (nota do tradutor).

[2] O autor usou “squid Umwelt”, fazendo uso da palavra em alemão “Umwelt,” como empregada por Jakob von Uexküll. Literalmente a palavra significa meio-ambiente, mas Uexküll a emprega no sentido do mundo subjetivo de cada ser vivo, ou seja, seu universo fenomenológico. Em português : mundo-próprio (N. T.).

[3] Nanolitografia dip-pen é um método de escrita direta que utiliza a ponta de prova de um Microscópio de Força Atômica para definir padrões sobre uma superfície (N. T.).

A robelha (abelha robótica) possibilitaria ao poeta escrever um texto-dança performático que não teria referência no mundo físico (isto é, não enviaria abelhas à procura de alimento). Ao invés disso, uma nova coreo-graphia (kinotação) poderia ser sua própria referência.

O início de um novo alfabeto. As letras podem ser criadas com nanotubos de carbono, cilindros delgados, medindo apenas poucos bilionésimos de um metro de diâmetro, como exemplificado nesta letra “T”. As palavras criadas nesta nanoescala podem ser feitas estáveis sob as leis da dinâmica molecular quântica. A primeira letra da palavra “Amanhã” em inglês (Tomorrow).

Estabelecendo valores semânticos específicos para aminoácidos, um poeta pode escrever uma proteína. A proteína “Gênesis”, acima, criticamente codifica a afirmação bíblica: “Que o homem tenha domínio sobre o peixe do mar e sobre as aves do ar, e sobre toda coisa viva que se move sobre a terra”.

Aproximadamente 5.000 diferentes tipos de microorganismos (bactérias procarióticas e archaea) formam essa população. Faça uma máscara com o texto a ser lido. Exponha tudo à luz, exceto o texto. Em cerca de duas semanas, o texto começará a ficará escuro o suficiente para ser lido com clareza. Exponha toda a superfície à luz do meio ambiente e deixe que as palavras se dissipem naturalmente. A transformação do biopoema seguirá seu tempo interno, biológico, de acordo com a dinâmica da vida da obra em relação às variações ambientais de temperatura, luminosidade, e humidade.


Histórico de publicação de "Biopoesia"


Back to Kac Web