Originalmente publicado em inglês em ARTnews, dezembro 2001, (Volume 100/Número 11), na seção especial The Next Wave: Ten Trendsetters to Watch (A Próxima Onda: Dez Nomes Ditando Tendências), págs. 118-119. Traduzido do inglês por Patricia Canetti.


Criando a Coelhinha Colorida (GFP Bunny)

Com proteínas fluorescentes e bactérias manipuladas,
Eduardo Kac usa as ferramentas da ciência a serviço da arte transgênica

Blake Eskin
(traduzido do inglês por Patricia Canetti)

Quando Eduardo Kac propôs o GFP K-9, um trabalho de arte envolvendo um cão modificado por um gene de água-viva que o faria brilhar na luz ultravioleta, para o festival Ars Electronica, em Linz, na Áustria, o público, estupefato, fez silêncio. Não importa que o genoma do cachorro ainda não tenha sido mapeado e que o seu projeto possa levar décadas para se realizar, ou que os cientistas já tenham criado em laboratório ratos com proteína fluorescente verde, ou que o cachorro em questão não fosse parecer diferente dos outros na luz natural. O plano para alterar o código genético dos animais, fez Kac, com seus cabelos escuros e encaracolados, usando um simpático par de óculos coloridos, parecer um intelectual herdeiro de Dr.Frankenstein.

Embora Kac (pronuncia-se katz), chocasse o mundo em Linz com o conceito do GFP K-9, no ano seguinte, o seu empreendimento de realizar o GFP Bunny (Coelhinha PFV) iria provocar um estardalhaço ainda maior. Neste caso, o diretor do laboratório francês que criou a coelha a pedido de Kac recusou-se a entregá-la ao artista, que tinha planejado levá-la para casa, para suas esposa e filha, em Chicago. Ainda que ele entendesse o GFP Bunny como um trabalho de arte que explorava a interação social entre a sua família e uma coelha albina fluorescente chamada Alba, muitos críticos assumiram que a própria coelha deveria ser olhada como um objeto de arte, apesar desta não ter sido a intenção de Kac. O consequente escândalo detonou manchetes em todo o mundo, que se utilizavam de trocadilhos como CROSS HARE (em inglês, "cross-hair" é a interseção de duas linhas, como no centro de um alvo; "hare" é lebre; "cross hare" é cruzamento de lebres), ao mesmo tempo zombando da disputa e expressando um certo desconforto com o projeto de Kac.

"É tão fácil temer ou odiar aquilo que não se conhece", diz Eduardo Kac, 39 anos, professor da School of the Art Institute of Chicago. Nos últimos anos, ele tem testado os limites da criatividade e da opinião pública em relação ao gênero que ele chama de arte transgênica; isto é, trabalhos de arte envolvendo bactérias modificadas geneticamente, mamíferos bioluminescentes, e outros organismos que carregam material genético modificado. O último trabalho transgênico, “O Oitavo Dia”, inaugurado em outubro de 2001 na Arizona State University, em Tempe, e que permanece exposto na página do artista, www.ekac.org, é um ambiente fechado habitado por camundongos, peixes, plantas e amebas, todos geneticamente imbuídos de proteína fluorescente verde, ou PFV (GFP), de uma água-viva. Sob luz azul e vista por um filtro especial, os organismos parecem brilhar. E mais, as amebas estão contidas em um "biobô", um robô que tem seus movimentos governados pela atividade coletiva das microscópicas criaturas.

"Num certo sentido, os microorganismos tornam-se a mente do robô", Kac explica. "Quando eles ficam sem comida ou são colocados sob stress, eles começam a se comportar como um único organismo maior."

Em trabalhos como “O Oitavo Dia”, criado em colaboração com 20 especialistas, Kac está usando as relações entre as espécies (incluindo humanos) para chamar a atenção para a fronteira em dissolução entre a biotecnologia e as principais correntes da cultura contemporânea. Em “Gênesis”, de 1999, Kac pegou uma linha da Bíblia sobre a dominação do homem sobre todos os seres vivos e a traduziu para o código Morse. Usando, então, uma fórmula criada por ele, ele a mapeou em quatro aminoácidos que são os pedaços do código genético. Bactérias clonadas do gene resultante foram expostas numa galeria sob luz ultravioleta. A luz causou mutações nas bactérias, que, por sua vez, reescreveram o verso bíblico.

"Eduardo está levantando algumas das verdadeiras grandes questões", diz Marvin Heiferman, um curador independente que incluiu “Gênesis” em Paradise Now: Picturing the Genetic Revolution, a exposição de 2000 que ele co-organizou na galeria Exit Art de Nova York.

"Ele não tem os constrangimentos de um cientista pesquisador. É precisamente por ele ser um artista que ele tem a liberdade de expressão para levantar idéias que os outros não teriam."

“Gênesis”, o primeiro trabalho transgênico realizado por Kac, era a obra central de uma exposição individual na Julia Friedman Gallery, em Chicago, em Maio de 2001. Encryption Stones (2001), um par de peças de granito preto, como a Pedra de Roseta, gravado com as versões em inglês do código morse e do código genético do gene Gênesis, foi vendido por US$ 13.000.

“Gênesis” também promove a exploração levada a cabo pelo artista, desde os anos 80, da linguagem e da comunicação, e manifestada através da poesia holográfica e também em trabalhos telemáticos que incorporavam telefone, fax, ou conexões pela internet. Como muitas de suas obras, “Gênesis” pode ser experimentada à distância: visitantes da página do artista podem manipular o nível da luz ultravioleta na galeria.

A idéia de que figuras quiméricas estão sendo desenvolvidas e exibidas para fins artísticos levou bioeticistas, ativistas de direitos dos animais e outros, a condenar Kac como arrogante e equivocado. Mas Kac nega que os organismos pretendam ser objetos de arte: os animais modificados não têm a intenção de serem algo monstruoso, mas sim de ultrapassar distâncias e forjar conexões, como ele fez com os seus trabalhos telemáticos.

"Eu acredito firmemente que qualquer reação negativa de uma pessoa em relação ao GFP Bunny, desaparecerá quando esta pessoa a segurar nos braços," diz Kac. Na sua opinião, a reação ao GFP Bunny tem menos a ver com "existir uma coelha adorável e sã no mundo" do que com a falta de consciência pública das capacidades correntes da biotecnologia. Não foi Kac quem primeiro apareceu com a idéia de modificar animais geneticamente para fazê-los brilhar; cientistas têm inserido PFV em genes para estudar o desenvolvimento embriônico, e eles não observaram nenhum efeito adverso nos animais.

"Há certos tipos de experiências que dão novas formas ao pensamento, e você não pode mais ocupar a mesma posição em que estava antes," diz Kac. "Não é confortável, mas, uma vez que você percebe que isso vem como uma intervenção simbólica, que aumenta a consciência das mudanças culturais em curso, é um insight profundo."

Para Kac, o artista deve prover insights a respeito de como nós tememos a tecnologia ou como percebemos a diferença, e não deve fazer isso necessariamente de maneira tradicional. (O artista não é necessariamente um artesão: Kac concebe seus trabalhos mas, muitas vezes, confia a sua realização a profissionais especializados.) Ele cita as esculturas cinéticas de László Moholy-Nagy, “A Guerra dos Mundos”, de Orson Welles, e as poéticas experimentais de Guillaume Apollinaire e E.E.Cummings, como influências. Kac, natural do Rio de Janeiro, também tira inspiração dos trabalhos de artistas brasileiros: Lygia Clark ("o que me inspira não são somente as suas soluções formais mas o seu compromisso de ir aonde se precisa, mesmo quando as circunstâncias podem ser adversas") e Flávio de Carvalho. Num "experimento" artístico em 1931, Flávio marchou por uma procissão católica e flertou com a jovem mulher que representava a Virgem Maria até a polícia interceder para salvar a sua vida.

Alguns críticos ligaram GFP Bunny a uma ação de Joseph Beuys de 1965, onde o artista alemão embalava uma lebre morta em seus braços numa galeria de Dusseldorf, mas Kac rejeita qualquer paralelo. "É uma comparação meramente formal", diz. " Eu estou falando de criar vida ."

"Da mesma maneira que as pessoas não queriam pensar em terrorismo até recentemente, as pessoas não querem pensar sobre clonagem. Você sabe que clonagem está sendo feita em algum laboratório privado em algum lugar," diz Heiferman, acrescentando que o trabalho de Kac está "levantando questões desconfortáveis. Numa certa medida, ele é um artista "bad-boy" e isso é uma boa coisa."



CONEXÃO PARA O SÍTIO DE EDUARDO KAC, e para o texto original em inglês publicado na ARTnews, dezembro 2001, (Volume 100/Número 11), na seção especial The Next Wave: Ten Trendsetters to Watch (A Próxima Onda: Dez Nomes Ditando Tendências), págs. 118-119.

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