Originalmente publicado em O Globo, Rio de Janeiro, Segundo Caderno,22.11.1988.


Holofractal, a arte no futuro

Ligia Canongia

A exposição Holofractal, de Eduardo Kac e Ormeo Botelho,será inaugurada hoje na galeria de Fotografia da Funarte. Esta éa primeira obra de arte a unir a tecnologia holográfica, a computaçãográfica, e a geometria fractal. A geometria fractal, que vem sendodesenvolvida pelo matemático polonês Mandelbrot hámais de dez anos, revoluciona os conceitos da geometria euclidiana e sededica a estudar as formas irregulares da natureza. Assim, os fractaissão unidades que ampliam infinitamente as possibilidades da percepçãohumana, acostumada até então a abordar a realidade apenascom as noções de reta, plano e espaço. Reconhecendono universo as dimensões fracionárias, Mandelbrot trabalhacom números aleatórios que pretendem dar conta das irregularidadesexistentes nos objetos e nos fenômenos naturais. E foi a partir deum software fractal -- um programa capaz de gerar formas irregulares --que Kac e Ormeo se basearam para construir o holopoema "Quando?",trabalho pioneiro na aplicação da matemática fractalàs artes visuais. Diz Kac:

-- A geometria fractal nos oferece os instrumentos para a criaçãode imagens com dimensões fracionárias - os fractais nos ensinama aceitar a fração, a passagem entre duas dimensõescomo um novo valor em si.

Mas, a complexidade da experiência não pára poraí e depois de estudos que se desenvolveram durante quase dois anos,Kac e Ormeo associaram ainda o domínio que cada um possuíana área da holografia e da computação gráfica,respectivamente, o que lhes permitiu retirar a imagem de dentro do monitore inserí-la em um espaço imaterial, multiplicando-a infinitae descontinuamente, segundo cálculos fractais de grande sofisticação.O holopoema em si mesmo já corresponde ao pensamento descontínuono tempo e no espaço, trabalhando a palavra aos saltos, libertada página, tomando um corpo imaterial e transformando-se em imagem.O que a holografia fractal incrementou na holopoesia que Kac jádesenvolvia antes, e com os recursos científicos e estéticosda computação gráfica, foi a dramatizacão dosobjetos lançados ao ar, sem espessura fisica; objetos agora percebidosem um espaço liberto da convenção tridimensional,o que constitui um paradoxo visual e mais, um campo inédito de exploraçãopara as artes plásticas.

Num momento em que o pós-modernismo declara a falênciado novo e institui um domínio interminável de citaçõese referências, os meios tecnológicos podem significar umaoutra fonte para a discussão da imagem, expandida e fértilDe alguma forma, um passo a mais como este em direção aobinômio Arte e Ciência parece recuperar o espírito deLeonardo da Vinci, símbolo de uma época onde os saberes científicos,filosóficos e artísticos se integravam. O holofractal pareceportar algo de revelação, que muitos artistas cinéticosda Modernidade, como Moholy-Nagy e o nosso Palatnik, acreditavam, em suavisão ao mesmo tempo racionalista e romântica do mundo. Trabalhandocom ondas eletromagnéticas, Kac cria imaterialmente, dando a vervolumes sem massa, sem peso, tornando visíveis idéias e formasque são puras abstrações matemáticas. O lequede opções que possuem em termos de combinaçõespossíveis entre sinais, imagens, cor e movimento é de talordem, que aos artistas cabe selecionar e construir esteticamente o objetode seu interesse, no caso, a flutuação das palavras, a leituradiferenciada a cada ponto de vista no espaço, a sua transmutaçnaoem imagem e em tramas de cor. Fascinados pelo trabalho de uma descobertaverdadeira no campo da Tecnologia e da Arte, Kac e Ormeo dão assimos primeiros passos no sentido de uma compreensão total de seusnovos meios, naquilo que eles ainda poderão contribuir para àexperiêncla estética. Ao espírito de Leonardo elesincorporariam também o de Nam June Paik. De uma coisa Kac estácerto:

-- Com esta síntese de meios, a arte ganha de fato um novo instrumento.


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