A sair em : Cadernos de Design, Centro Português de Design, Lisboa


Eduardo Kac : entrevista a Susana Correia

- Pode definir brevemente a sua esfera de trabalho?

Meus trabalhos gravitam ao redor de questoes centrais que informam
minha reflexão, tais como: a relação e as fronteiras do ser humano
com outras formas de vida não humanas; o limite entre o biológico e o
tecnológico, formas de percepção do mundo que não sejam simplesmente
baseadas no aparelho sensorial e cognitivo humano; a comunicação
entendida não como transmissão de informação mas como um processo
vital; o dialogismo; a tensão entre conceitos como local/remoto e
analógico/digital; e o papel da tecnologia na evolução e na vida
social. Cada obra gera um salto cognitivo que leva à proxima obra.



- Considerando que o design procura melhorar a relação do Homem com o
seu meio (de vida e trabalho), tendo em atenção a funcionalidade dos
instrumentos postos ao serviço do Homem, melhoria da sua qualidade de
vida, saúde, esperança de vida, qualidade certificada e segurança, e
que um exercício de design procura a economia de meios e eficácia de
função, é possível pensarmos numa interacção entre o design e a
biologia? De que forma?

Do ponto de vista pessoal, nao me sinto comfortavel para comentar
sobre a relacao entre design e biologia, pois como artista plastico
eu realmente nao trabalho com as questoes do design. Entretando, esta
claro que todo o processo de domesticacao de plantas e animais, que
remonta a milhares de anos, bem como os produtos da farmacologia e da
engenharia genetica, varios dos quais se encontram no mercado global,
sao o resultado do design de organismos.


- Num exercício de design cuja matéria prima é matéria viva, quais
são as questões deontológicas/éticas que se põem (se é que se põem)?

Claro que ha questoes eticas, e elas sao fundamentais. Eh preciso
evitar ao grau maximo o sofrimento de animais que tenham consciencia.
Eh preciso tambem levar em conta questoes ecologicas, pois ao
solucionar um problema se pode criar outro, ainda mais grave.


- Em termos microbiológicos é conhecida a manipulação biológica para
que determinados agentes melhorem a sua eficácia e a qualidade de
vida humana. E em termos macrobiológicos, que tipo de manipulações
são ou poderão vir a ser desenvolvidas?

Nao ha bullgods, chiuauas, ou poodles nas selvas do planeta. Estes
animais, bem como os demais cachorros que conhcemos, foram o
resultado da participacao do ser humano na evolucao do lobo. Sem
duvida, o cachorro contribiui em muito para a vida do homem tambem,
do ponto de vista emocional e de trabalho. Eh uma influencia
dialogica. Ha muitos outros exemplos. Em 1998 eu propus a criacao de
um cachorro transgenico, o que representaria uma nova etapa nesta
relacao. Ainda nao eh tecnicamente possivel realizar um cachorro
transgenico, mas um dia sera. Sem duvida, a sociedade do futuro tera
clones humanos. Entretando, nao se deve pensar a criacao de um
companheiro domestico, como eu propus, ou de um ser humano, como
design. Eh preciso ter cuidado. Ha uma diferenca em criar, dar aa
luz, trazer ao mundo, e fazer design. Nao devemos fazer o design de
sujeitos (entidades conscientes), e sim de objetos.


- A criação (design) de seres vivos com formas melhoradas (que tornem
as suas funções mais eficazes) é desejável?

Se forem entidades sem consciencia, como plantas, e se houver cuidado
com questoes ecologicas, e tambem politicas/economicas (nao se deve
fazer biopirataria, nao se deve patentear a vida, nao se deve
eliminar biodiversidade, nao se deve contaminar as plantacoes
nativas, nao se deve acabar com as pequenas fazendas) -- ai sim, pode
ser desejavel. Mas cada caso deve ser estudado de forma individual.


- Se considerar uma equipa de trabalho que inclua biólogos (ou
cientistas) e designers, como pensa que se processará o diálogo e
quais prevê serem as maiores dificulades e as maiores vantagens?

Como disse, nao me sinto comfortavel para comentar sobre a relacao
entre design e biologia, pois como artista plastico eu realmente nao
trabalho com as questoes do design. Ainda assim, trabalho
rotineiramente consultando varios profissionais, incluindo
cientistas. Ha barreiras de linguagem, mas ha tambem a possibilidade
de fertil dialogo interdisciplinar. Um desafio que plenamente
justifica a aventura.


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