O Estado de São Paulo, caderno Link, 20 outubro 2008, página L10


EDUARDO KAC 46anos, artista



NÃO É PELA TECNOLOGIA - Kac diz que busca
meios hi-tech para satisfazer sua criatividade, não o contrário



Os limites entre o vivo e a máquina

Experimental, Eduardo Kac testa a simbiose de robôs, internet e microchips com humanos, bactérias e plantas

Rodrigo Martins

É difícil classificá-lo. Seria um artista? Um cientista? Ou quem sabe um botânico? Radicado nos EUA desde os anos 1980, o carioca Eduardo Kac, de 46 anos, reúne internet, robótica, engenharia genética e biotecnologia em seu balaio criativo. Em experimentações – que podem parecer excêntricas – ele já criou um robô movimentado por amebas, “pintou” um coelho com algas, iluminou uma planta pela web e até implantou um chip no próprio corpo.

E tudo, diz, em nome da arte. “O meu limite são as leis da física”, conta ele, que conversou com o Link em recente visita ao Brasil. Embora sua obra, assume, seja de difícil assimilação, Kac é referência em sua área, com trabalhos expostos nos EUA, Espanha e Brasil. “Não penso se a tecnologia me permitirá fazer as coisas. É minha inquietação artística que me leva a buscar formas de realizar as idéias. Vou até onde for preciso, falo com quem for.”

Foi numa dessas “inquietudes”, por exemplo, que o artista – com livros publicados pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), um dos principais centros de tecnologia dos EUA [TEXTO]– decidiu correr atrás de quem o ajudasse a criar o seu próprio robô. Ele queria dar origem à obra Biobot, um andróide que se mexe a partir do movimento de amebas. “Não uso robôs que alguém fez para um propósito comercial. Eles são criados para cada obra.”

As buscas de Kac no universo da tecnologia para viabilizar criações como essa vêm de mais de 20 anos, quando o computador era um luxo de poucas empresas. Em 1987, já juntava experimentações com holografia e computação gráfica para criar o que chamou de “holopoema digital”. Eram poesias com poucas palavras que, projetadas, “flutuavam no ar”. “Isso não estava rolando na época. Tive de pesquisar para conseguir fazer.”

Desde então, Kac viu a disseminação das artes eletrônicas, que chegam a dividir espaço com pinturas e esculturas em exposições no mundo todo, inclusive a Bienal de São Paulo, em obras de videoarte. “Quando comecei, não havia escolas para arte eletrônica, críticos especializados.”

O próprio Kac, dos anos 80 para cá, vislumbrou outras formas de aproveitar os artefatos hi-tech. Embora atualmente esteja mais voltado para a bioarte (veja ao lado), grande parte de seus trabalhos vale-se da tecnologia digital para mostrar as possibilidades de simbiose com “seres vivos”, como as tais amebas citadas acima. “É a junção da máquina com o vivo.”

“E acredito que essa mistura esteja se disseminando cada vez mais. Não apenas na produção artística, mas em outras áreas como medicina e engenharia. Hoje, por exemplo, já há microchips que utilizam pequenas bactérias para detectar a poluição do ar. Já é uma integração prática do ser vivo com a tecnologia.”

Para mostrar essa simbiose, em uma de suas obras Kac condicionou a sobrevivência de uma planta à internet e à colaboração na rede. Localizado em um museu de Kansas, nos EUA, a planta só recebe luz quando os internautas clicam em um link (acesse Teleporting an Unknown State em www.ekac.org). Para tanto, foram instaladas webcams em cidades como Tóquio e Paris. “Há um monitor próximo à planta que ‘transporta’ a luz desses locais para ela.”

Outra obra de Kac leva essa união ao extremo. E ele mesmo serviu de cobaia. Em 1997, filmado por emissoras de TV, ele injetou em sua perna um chip com um código numérico, o qual foi cadastrado em um site de controle de animais. O artefato está lá até hoje. O sentido? “É uma obra de arte. É uma memória digital que busca o confronto com a memória analógica do ser vivo. É uma reflexão.” Então tá.


20/10/2008

Com animais, surgem obras ‘com vontade própria’

Após experimentações com tecnologias digitais desde os anos 80, o artista Eduardo Kac agora centra seu foco em uma arte não menos exótica: a bioarte, que interage com seres vivos. O nome dado para obras que se valem de coelhos e microorganismos foi cunhado em 1997. Kac é um dos pioneiros e, segundo ele, esses trabalhos trazem uma diferença principal em relação a, por exemplo, estátuas do museu: “Eles são literalmente vivos, têm interesse próprio.”

Um dos exemplos dessa arte “com vida” está na sua produção mais recente, que chama de biotopo. É uma espécie de quadro, em que, numa moldura de metal, Kac coloca terra e microorganismos vivos. Regados com água periodicamente, esses microorganismos vão mudando de formato com o tempo e modificam a obra por conta própria.

Kac também já utilizou animais como meios para produzir a sua bioarte. Em 2000, uma obra do artista tornou os pêlos de uma coelha verdes na presença de luz azul. Para tanto, o animal recebeu uma proteína encontrada em algas marinhas chamada Proteína Fluorescente Verde (GFP, na sigla em inglês). A coelha, chamada Alba, ficaria exposta durante uma semana e depois iria para a casa do artista. Só que houve polêmica.

O laboratório francês que aplicou a tal proteína proibiu a exposição da obra. Kac fez então um protesto pela internet para liberar a coelha, noticiado por jornais do mundo inteiro, inclusive brasileiros. A coelha não foi liberada, mas Kac montou, então, uma exposição com obras baseadas nos artigos de jornais que documentaram o caso.

“A bioarte ainda não está assimilada. É uma coisa mais orgânica. Juntando um coelho e a alga, o artista cria uma nova forma de vida, que é o resultado de sua imaginação”, diz. “Acredito que no futuro ela irá se tornar tão comum como a escultura e a videoarte.” R.M.


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