O Artista como Cientista

Sabine Flach

                                      
                                            Fazer com que a humanidade se familiarize com determinadas
                                            imagens, antes mesmo que estejam presentes à consciência  os
                                            fins aos quais tais imagens sirvam.
                                                                                                                   Walter Benjamin




O questionamento sobre a apresentação, transmissão, representação e o armazenamento de conhecimento em conjunto com uma específica medialidade significa para as artes um problema central desde há muito tempo.   Há algo mais ainda:  as artes em si são parte de uma produção ativa do conhecimento e do estabelecimento do sistema de conhecimento.  A respeito da questão dessa participação na produção do conhecimento, a relação entre as artes com as ciências (naturais) e as tecnologias (das mídias) também se altera.  Se até então a arte foi freqüentemente entendida como uma ferramenta, que parecia garantir a visualização ou a estetização do material presente, agora ela tem que ser percebida como um produtor ativo de conhecimento.  Na interação da arte com a ciência/tecnologia, ela ocupa o ponto de intersecção da informação.

Há um novo interesse na relação entre a arte midiática e as ciências naturais, justamente na situação atual, na qual as ferramentas de trabalho e as práticas de representação de cientistas e artistas tornaram-se entre si quase distinguíveis, ao menos no momento em que ambos servem-se das mídias digitais como base de seus trabalhos.

Esse relacionamento pode ser analisado sob duas perspectivas:  quando se avalia a gênese histórica da mídia para com as ciências e quando se trata, por exemplo, de relacionar de forma atual o uso de imagens, salas de imagens e apresentações da arte das mídias com as ciências naturais.  Desta maneira, vê-se que “não faz muito sentido querer ver nas mídias técnicas - mais exatamente na sua digitalização - uma mudança de paradigma.  Muito mais decisivo é como os métodos técnicos e estilísticos implicam formas de midiatização que se manifestam nas artes visuais. (Spielman 1996: 140).

Correspondente a esse pressuposto, pode-se descrever a aplicação de novas mídias digitais e técnicas com as categorias da estrutura e do método.  Nesse sentido, deve-se abrir para um debate comparativo, no qual o modelo de trabalho seja aquele da transposição.  Para uma pesquisa dos interrelacionamentos entre diferentes mídias deve-se observar os requisitos técnico-instrumentais para determinados modos de construção do visível, que produzam primeiramente formas de imagem específicas das mídias.  Aí então, se poderá examinar a relação entre as mídias digitais de arte com as mídias digitais das ciências.  Poder-se-á igualmente demonstrar que a arte digital das mídias opera tanto dentro dos limites específicos do sistema artístico, como também no nível de áreas culturais de muito interesse (vide Spangenberg 2001: 41), tal como a tecnologia genética.  O que relaciona ambas as áreas é principalmente o significado das representações visuais, portanto, a questão da imagem e sua íntima relação com toda forma de percepção.

A seguir será apresentada a relação da arte com a ciência nas suas ligações com as artes midiáticas.  Será demonstrada a inevitabilidade das complexas mídias audiovisuais e digitais para as ciências naturais; já que elas, como sistemas decididamente estéticos, permitem uma visualização adequada de processos em uma micro-área.

Será examinada a tese de que os artistas não se aproveitam de um repertório das ciências naturais reproduzido nas estruturas estéticas - ou seja, sempre a suposta e aparente posterioridade da arte - mas sim de que, ao contrário, a arte é anterior à ciência natural, tanto que esse precisa lançar mão de pesquisas sobre métodos e processos que há muito já foram testados e já se estabeleceram nas artes, como ficcionalidade, encenação, experimentalismo, abstração, seriação e criatividade.  Além disso, similares práticas artísticas e científicas podem ser constituídas, como por exemplo: observação, visualização, especulação estrutural, descrição analítica e - vale ser colocado como foco de atenção - processualidade.  De especial significado é a competência das artes, em relacionar as imagens a-históricas da ciência com sua gênese iconográfica.  Com isso, não só as mídias da arte se introduzem nas ciências, mas também suas estruturas de pensamento e formas de percepção do mundo.

Esse processo é exatamente mais evidente nas mídias de artes organizadas processualmente; pois, de um lado, elas pertencem às práticas artísticas atuais e avançadas, de outro, são freqüentemente a única possibilidade de tornar um processo científico visível.  Essa tese será apresentada ao longo do artigo na relação da arte com a tecnologia de genes e exemplificadas através de dois trabalhos artísticos.

1.  Arte, Ciência e Tecnologia das Mídias

Desde os antigos, o contexto e a relação entre a prática estética e a ciência, a saber sua formação teórica (vide Mainusch 1993), são um assunto central nos ensaios e tratados teórico-artísticos.  A avaliação dessa relação é, contudo, ambivalente se, de um lado, a autonomia e incomensurabilidade da prática estética são defendidas; de outro, a estreita ligação até a dissolução da ciência na arte é sustentada (vide Feyrabend 1978).  Diante dessa progressiva relação entre arte e ciência, há uma restrição pelo menos a partir da Querelle des anciens et des modernes: a separação das artes e das ciências.  Se, atualmente, é consenso que as ciências contemporâneas conquistaram novos conhecimentos, há simultaneamente uma opinião generalizada de que o mesmo não acontece com as artes.

A seguir, serão apresentadas as diferenças básicas entre os tipos de conhecimento científico e estético.  Entende-se como conhecimento científico, ou técnico, uma forma de acumulação contínua, que cresceu constantemente em comparação com o passado.  A vocação artística, o gênio, ao contrário, é entendida como uma capacidade que pode surgir a qualquer tempo, igualmente e da mesma forma e, por isso, é de um tipo totalmente diferente.  Enquanto o parecer científico está impregnado de regras de conhecimentos, o estético adota a dimensão do sentimento.  E é nesse antagonismo que também se inscreve o dualismo entre a natureza e cultura ao longo da história.  Dessa discussão resulta a “divisão da antiga unidade entre scientiae et artes” (vide Kosellek 1979: 394) no sentido de uma diferenciação das diversas áreas autônomas e dos tipos organizados de racionalidade.  “Até o final do século XVIII a ciência, a moral e a arte também eram institucionalmente distinguidas como áreas de atuação, no sentido de que, nessas áreas, as perguntas sobre a verdade, a justiça e as preferências eram trabalhadas independentes umas das outras, ou seja, respectivamente conforme o aspecto avaliativo (da área)” (Habermas 1985: 30).  A ampla perspectiva da arte e da ciência se perdeu com o aumento da diversificação das disciplinas científicas, em especial ao longo do século XIX; assim como com o isolamento da arte.

Mesmo assim, constata-se que a concepção de “uma marcha triunfal das ciências analíticas no início do século XIX (...) considera somente parcial a atual e diferenciada situação histórico-científica” (Breidbach 2001: 150).
Apesar do predomínio do positivismo científico, o elo de ligação entre ambas as formas de discurso não foi totalmente rompido.   Assim, por exemplo, do ponto de vista histórico-científico, as fronteiras da ciência natural foram ultimamente bem menos delimitadas em relação ao que se tentou com a auto-definição da disciplina.  Contudo, no lugar de grandes programas de síntese aparecem múltiplos fenômenos de (nem sempre refletidas) aproximações, delimitações e inserções das diversas ciências e artes (vide Fulda e Prüfer, eds. 1996).

A transferência de conhecimentos entre a arte e a ciência se intensifica na segunda metade do século XX.  É claro que se pode registrar um interesse na construção pictórica e textual, a saber, na gênese metafórica do conceito científico (vide Weigel 2002) sobre o trabalho e concretização científicos.

Todas as inovações características, do tipo sociopolítico e tecnológico-econômico, exercem importância fundamental no impulso modernizante dentro da “cascata de modernização” (Gumbrecht 1998).  Com isso, constata-se simultaneamente uma primeira tendência, que é significativa para todo o século XX: os artistas observam a ciência (natural), a natureza e a arte não só como uma aparição estética, não só como um “outro” oposto, que deve ser reconhecido e representado.  As atividades dos artistas não são somente sinais sismográficos de mutáveis mundos de experiências e símbolos, mas eles mesmos contribuem para o desenvolvimento desses mundos, para a sua prospecção experimental e avaliação prática.  Além dos limites das belas artes - como “techné” e “aisthesis” num sentido literal - as práticas artísticas operam no mesmo campo, do qual os estudos da cultura estão se ocupando (vide Weigel 1991: 18).  Nesse contexto, o intercâmbio entre a forma de pensar científica e artística representa uma tarefa importante.

Tanto os cientistas como os artistas se valem da mesma forma de métodos e hipóteses em seus trabalhos, pois ambas atividades são determinadas pelas inovações etnológicas.  Tanto em um como em outro, delinea-se um interesse genuíno pelo conhecimento, que é visualizado.  A arte pode indicar que não se trata somente de uma influência da percepção, métodos e formas de comportamento; mas que a ciência é em si um constructum, assim como a arte não é só construída.  Essa forma específica de apresentação da construtividade é, em especial, própria da arte das mídias; que, por isso, nesse conjunto também adquire um papel especial.  Os processos visuais, com os quais a arte das mídias trabalha, correspondem aos processos de visualização da ciência.  Os artistas desenvolveram simultaneamente com as técnicas das mídias, técnicas de imagem, cuja base de realização é a transformação e combinação de formas e métodos de diversas mídias visuais (Spielmann e Winter 1999).

As características da arte das mídias - intermedialidade e interatividade - permitem uma confrontação direta e integrativa com a obra de arte não só para o receptor, como também permitem métodos de produção de imagens que antes não eram possíveis nessa combinação.

Esses espaços imagéticos avançados da arte midiática audiovisual abrem ligações experimentais e progressivas entre arte e ciência nas quais a relação entre o corpo, as pessoas e as imagens podem ser claramente representáveis.
O emprego do corpo e suas funções estéticas, ou suas imagens num trabalho artístico, não significa nenhuma novidade.  A novidade está na maneira como o corpo, suas funções e significações foram transformados no trabalho artístico.  O corpo é cada vez menos o local do natural e do autêntico, conforme estilizado no pensamento do século XVIII.  Não se recorre mais ao corpo para a representação e o reconhecimento dos fenômenos anatômicos ou médicos.

O corpo encontra sua utilidade na prática estética da representação de discursos que se fazem no e sobre o corpo.  O corpo é visto como um constructum, como uma superfície de projeção, sobre a qual se inscrevem, ao longo da história e alternadamente, registros científicos e fenômenos culturais (vide Flach 2002).

Essas inscrições e construções também se encontram em trabalhos artísticos, cujo trato com animais e plantas tematiza a construção da natureza.

Nesse contexto, o trato experimental da arte com as multimídias interativas enseja dimensões com perspectivas e reflexões surpreendentes.  As mídias de arte audiovisuais ampliam sensivelmente aqui o potencial estético dos desenvolvimentos avançados em tecnologia das mídias entre arte e ciência.  Na ligação entre arte, mídias e ciência natural, os artistas plásticos trabalham hoje com, por exemplo, perguntas sobre bases teóricas de pesquisas e desenvolvem métodos complexos de concepção de imagens.  Artistas que, pelo computador, usam as possibilidades da tecnologia multimídia, vêem isso não só como uma extensão do meio de expressão artístico, mas também e muito mais como uma reelaboração de uma posição crítica perante a presença manifesta dessa tecnologia que, no entanto, está em todas as áreas de conhecimento.

As técnicas midiáticas de produção de imagens, há muito tempo, não são mais somente modos de representação; elas também abrigam em si formas específicas de produção e representação que têm efeitos sobre a percepção do representado.  A percepção não está aqui exclusivamente acoplada às técnicas de representação, mas também a todo meio com força de expressão própria.  Com isso, aparece renovada a expressão “engenheiro-artista”, que se liga em especial à Renascença (vide Rötzer 1997: 66).  Ao contrário daquela época - na qual tratava-se da descoberta, da representação de uma realidade desconhecida e da otimização matemática de construções; tais como o reconhecimento da natureza, portanto um paradigma da representação, onde a realidade se desenvolveu - estabelece-se atualmente um paradigma de criação da realidade, na qual os artistas das mídias têm participação fundamental.

Se os paradigmas mostram o mundo “vivo”, cujas estruturas não são lineares e nem contínuas, mas sim não-lineares e descontínuas, o mesmo vale para os processos da arte das mídias cujos elementos e estruturas imagéticas são paradoxais, descontínuos e não-lineares.

2. Arte e Tecnologia Genética

A colaboração entre a arte, a ciência e as mídias adquire um significado especial na área de tecnologia genética e da medicina da reprodução, ciências que, como nenhuma outra, estão no centro da atenção pública.  Em quase nenhuma outra área das ciências naturais, as imagens e metáforas visuais se transformaram, dessa maneira, em ícones onipresentes (Nelkin e Lindee 1995; Haraway 1998).  “Em nenhuma outra área científica, os objetivos, cenários experimentais e imagens, que acompanham o discurso científico, entram em uma correspondência tão estreita com as fantasias e fantasmas, com os quais as mídias, o cinema e a literatura dão respostas a questões, tais como a informação, terapia genética, recursos genéticos, práticas de clonagem, auto-duplicação, pesquisa de células-mãe e etc.” (Weigel 2002: 11).  A biotecnologia e a tecnologia genética são tidas como as tecnologias-chave para as próximas décadas, com as quais uma segunda história da criação será colocada em andamento e que substituirá o conceito originário da evolução.

Nesse processo, o desenvolvimento da tecnologia de informação e de computadores, ligado às biociências, adquire uma posição inovadora.  Por um lado, eles levam a um aceleramento da pesquisa e, por outro, à utilização de avançadas tecnologias digitais de imagens e mídias.  Com isso, não se supõe que os novos modelos científicos sejam apenas reresentados e dotados de uma estética própria: mas as tecnologias das mídias elas mesmas possibilitam representação e cognição.  Os processos e os procedimentos de ciências abstratas, como a tecnologia genética, cujos processos se dão em micro-estruturas invisíveis, dependem de possibilidades complexas de visualização, já que as imagens aqui só possibilitam a cognição.  Não se trata porém somente de possibilidades de representação como a da ampliação, mas muito mais em mostrar que; por exemplo, ao longo da cisão das proteínas, a cisão é em si um processo visual.

Vilém Flusser viu traços do atual desenvolvimento na bio e genotecnologia e profetizou que eles poderiam se tornar ferramentas da arte e que os artistas iriam, um dia, poder produzir o trigo com a capacidade visual, cavalos fotossintéticos e uma “sinfonia de cores absurda (...), na qual cada cor do organismo vivo complementará a cor do outro e elas constituirão o fundamento de processos humanos que até hoje não existem” (Flusser 1988; Gessert 1999).
Sempre houve diversas relações de troca entre a arte e a genética na arte do século XX.1   Ao contrário dos artistas do início do século XX, cujos trabalhos se caracterizam pela relação afirmativa com a genética, hoje as imagens científicas são decifradas pela arte e um novo modo de reflexão é introduzido.  Artistas que se ocupam da tecnologia genética questionam a objetividade e verdade dessas imagens e deixam muito mais em aberto suas codificações através de outras ciências e processos culturais.

3.  Arte Transgênica

Eduardo Kac, artista e teórico de mídias e professor de arte e tecnologia no departamento de arte e tecnologia do Instituto de Arte de Chicago, desenvolveu nove categorias de arte nos anos noventa.  Por um lado, ele criou a “arte biotelemática”, na qual um processo biológico é intrinsecamente ligado a um trabalho de telecomunicação.  A partir daí, ele desenvolveu seu projeto “Transgenic Art”, apresentado pela primeira vez em 1999 no Ars Electronica, no O.K:  Centro de Artes Contemporâneas de Linz e simultaneamente foi veiculado pela Internet.2  A arte transgênica se baseia no uso dos métodos geno-técnicos como trabalho artístico, no qual genes sintéticos são implantados em novos organismos; ou material genético natural de um tipo é transmitido a um outro.  Dessa transmissão originam-se novos seres vivos, projetada não conforme o ponto de vista evolucionário, mas estético.  Isso é possível através do contato direto com o ADN do ser vivo.  Na arte transgênica a evolução é entendida, portanto, como um processo criativo.

Com sua complexa obra “Genesis” Eduardo Kac insere a arte eletrônica na área da técnica genética e da comunicação bacterial.
“Gênesis é uma obra de arte transgênica que explora a relação intrínseca entre biologia, sistemas de conceitos, informação tecnológica, interação dialógica, ética e internet” (Kac 2002).  O objetivo de Eduardo é a visibilidade da tecnologia e de processos biológicos através do emprego de técnicas midiáticas que são utilizadas em laboratórios de pesquisas.  O elemento principal do trabalho é, primeiramente, um gene sintético, criado por Kac, originado pela transmissão em código Morse da frase bíblica do livro do Gênesis:  “Que o homem reine sobre os animais do mar, as aves do céu e sobre todo ser vivo sobre a terra.”  Essa frase foi transformada em um par de ADN conforme um princípio de conversão desenvolvido especialmente para tal.

O código Morse é utilizado no trabalho por ter sido aplicado pela primeira vez na radiotelegrafia; portanto, no início da era da informação, tendo surgido no início da gênese da comunicação global.  Desenvolvido assim, o gene artificial foi clonado em plasmidos e, finalmente, inseridos em bactérias.

Através desse processo o gene produz uma nova molécula de proteína.  Na obra são utilizados dois tipos de bactérias: bactérias nas quais o plasmido clandestino contém ECFP (proteína ciã fluorescente e enriquecida) e bactérias nas quais o plasmido clandestino contém EYFP (proteína amarela fluorescente e enriquecida).  Assim, formam-se dois tipos diferentes de bactérias com características espectrais diferentes.  As bactérias ECFP contêm o gene sintético, o qual as bactérias EYFP não contêm.  Com a radiação UV essas bactérias fluo-florescentes emitem uma luz azul e amarela.  Com um número crescente de bactérias o plasmido começa a sofrer mutações que, entrando em contato umas com as outras, originam misturas de cores e bactérias verdes.

Essa comunicação desenvolve três cenários visíveis:  primeiro, as bactérias ECFP dão seu plasmido às bactérias EYFP e vice-versa.  Bactérias verdes são, assim, originadas.  Segundo, cada cor permanece, pois não se dá nenhuma saída de plasmido.  Terceiro, as bactérias podem perder todo o seu plasmido e tornam-se ocres ou pálidas.

Para a obra uma placa de Petri foi iluminada a partir do soquete em uma sala escurecida.  Sobre a taça uma vídeo-câmera foi posicionada e esta, por sua vez, por meio de um projetor, emite na parede projeções gigantescas daquela.  A taça também recebe luz UV, cuja intensidade pode ser modificada pelo receptor diretamente na sala da galeria ou, telepresentemente, pela interação com a obra via internet.  Quando se liga a fonte de luz ultravioleta, os participantes provocam uma mutação biológica real na bactéria, já que a proteína fluo-florescente reage à luz.  A alimentação energética através da luz UV atrapalha a sequência de ADN no plasmido e aumenta a taxa de mutação.  Assim, o usuário influencia a obra, processos de interação e partição, que seriam somente visíveis por meio de um microscópio;  mas que contudo, podem ser agora acompanhadas diretamente numa projeção por meio de um recurso midiático.  A música ADN para tal é sintetizada na galeria ao vivo por um complexo algoritmo.  A fisiologia do ADN é transformada em parâmetro musical, cuja sequência depende da taxa de mutação da bactéria (vide Kac 1999).  O receptor também é colocado em uma situação parecida no laboratório através da estrutura da obra.  Com o final da exposição o ADN foi novamente transmitido e enviado por código Morse e, por último, em inglês.

As mutações que aconteceram no ADN também alteraram a frase e fizeram com que a frase original da Bíblia mudasse.

O centro da obra é, por um lado, a interação entre arte e um paradigma científico; de outro, a reflexão sobre técnicas, especialmente sobre bio-informática e biologia molecular.  Com a obra “Gênesis”, Kac considera que os processos biológicos se assemelham e se aproximam da escrita, que eles podem processar e armazenar dados, o que permite uma comparação com os computadores digitais.  Com seu trabalho, Eduardo Kac desenvolve um espaço para reflexão, um espaço para o visitante pensar.  Esses, principalmente através da direta interação experimental com a obra, devem poder refletir o determinável desenvolvimento biotécnico.  Diferente dos trabalhos artísticos que simulam e representam vida, a vida aqui é formada por si mesma.

Tradução de Simone Malaguti

 

Notas

1. O trabalho do fotógrafo Edward Steichel serve como um exemplo da ligação entre arte e tecnologia genética.  Entre 1920 e o início da guerra, o fotógrafo produziu plantas híbridas, pois ele entendia organismos vivos como arte.
2. Além disso, através de uma arte produzida por mídia audiovisual, Eduardo Kac ficou conhecido publicamente pela criação do coelho Alba.  Kac implantou em Alba um gene adicional.

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Abstract
Contemporary Media arts are examined in the context of current forms of representation, mediation, and storage of knowledge.  If we understand  art not as a system of visualizing what we already know, but in its capacity to generate new knowledge, then we realize that the arts can participate in the active production of knowledge and knowledge systems.  Creative works then turn out to be more than seismographic registers of changing frames of experience and their symbolic representation.  They are, by contrast, able to contribute to the development, experimental exploration, and practical evaluation of those frameworks.  Beyond the limits of the fine arts, creative practices - as techné and aisthesis in the true sense of these words - are operating nowadays in the same fields that are being explored by within fields/disciplines of academic knowledge.  Taking media arts as an example, this paper focuses on the critical interrelationship between scientific and artistic modes of thinking about gene technologies.


Sabine Flack é pesquisadora no Centro de Estudos Literários de Berlim, onde dirige o projeto  “Artes do saber: A arte de saber e o saber da arte”.  O seu projeto atual:  “O artista de vanguarda como cientista para a configuração do saber artístico em relação às ciências naturais, arte e tecnologias midiáticas em torno de 1900”.  E-mail:  flach@zfl.gwz-berlin.de


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