Originalmente publicado em inglês em: Holographic Imaging and Materials (Proc. SPIE 2043), Tung H. Jeong, Editor (Bellingham, WA: SPIE, 1993), pp. 72-81.


Holopoesia, Hypertexto, Hyperpoesia

Eduardo Kac


Em outra oportunidade já abordei em detalhe o desenvolvimento da holopoesia desde sua incepção. Nas duas seções seguintes farei um breve levantamento dos princípios gerais da holopoesia e tratarei de obras recentes ainda não documentadas.
Meu trabalho em holografia pode ser compreendido no contexto da language art (corrente conceitual que usa a linguagem na criação de obras de arte) e da poesia visual (corrente literária que se vale de meios visuais para enriquecer a palavra escrita), dois gêneros que exploram a fusão da palavra e da imagem. Chamo meus trabalhos de poemas holográficos, ou holopoemas, os quais são essencialmente hologramas (digitais ou não) que empregam a linguagem como material da obra e também como seu tema ulterior. Busco criar textos cujo processo de significação se dá apenas em resposta ao ativo engajamento perceptual e cognitivo do leitor. Isto implica dizer que cada leitor "escreve" seu próprio texto à medida que explora visualmente a obra. Meus holopoemas não se encontram imóveis e presos à superfície. Quando o observador começa a procurar as palavras e seus elos, o texto se transforma, se movimenta no espaço tridimensional, muda cores e sentidos, se dissolve e desaparece. Esta coreografia ativada pelo observador é tão intrínsica ao processo significativo quanto os elementos verbais e visuais eles mesmos. Se o leitor nunca viu um holopoema, sugiro que considere estes versos de Eliot literalmente, ou seja, como algo que de fato ocorre como fenômeno poético-visual:


Palavras se tencionam,
Se partem e por vezes quebram, sob o fardo,
Sob tensão, escorregam, deslizam, perecem,
imprecisas se deterioram, não param quietas,
não ficam no lugar.


A linguagem exerce um papel fundamental na constituição do nosso universo experiencial. Questionar a estrutura da linguagem é investigar como realidades são construídas. Meus hologramas definem uma experiência linguística que occore fora da sintaxe e conceitualizam instabilidade como agente significativo. Emprego a holografia e a computação gráfica em conjunto para romper a distinção entre palavra e imagem e para criar uma sintaxe de animação que amplia o significado das palavras para além de seu sentido no discurso ordinário. Emprego técnicas de animação em meu trabalho para criar uma nova forma de composição poética que neutraliza estados fixos (isto é, palavras carregadas de visualidade ou imagens enriquecidas verbalmente) e que pode sere definida como uma constante oscilação entre ambas. Minha holografia é ao mesmo tempo uma investigação dos sistemas da linguagem e dos processos significativos do holograma.
A organização temporal e rítmica dos meus textos tem um papel importante na criação desta tensão entre linguagem visual e iamgens verbais. A maioria de minhas peças explora o tempo como não-linear (descontínuo) e reversível (que flui em ambas as direções), de tal forma que o leitor/observador pode se mover para cima e para baixo, para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, rápido ou lento, e ainda assim estabelecer associações entre palavras presentes no efêmero campo perceptual.
Procuro conceber novas relações entre o aparecimento-desaparecimento de significantes, o que constitui a experiência de ler um texto holográfico, e nossa percepção dos fatôres organizativos do texto. Assim, a percepção visual do comportamento paramétrico dos elementos verbais intensifica a apreensão dos sentidos do poema. À medida que os leitores se movem eles continuamente mudam o foco ou centro ou princípio organizativo da sua experiência, ao olharem através de dispersas zonas de visão. O texto experienciado revela sua revolta contra a rigidez da página impressa e clama pelo processo rizomático do espaço holográfico.
Por conta de sua irredutibilidade enquanto textos holográficos, meus poemas resistem vocalização e reprodução impressa. Eles só podem ser reproduzidos holograficamente. Uma vez que a percepção do texto se altera com a mudança de ponto-de-vista, eles não possuem uma única "estrutura" que possa ser transposta, traduzida, ou transportada para outro meio ou forma. O uso integrado do computador e de holografia refelete meu desejo de criar textos experimentais que impulsionem a linguagem, e mais especificamente, a linguagem escrita, para além da linearidade e rigidez que caracterizam sua forma impressa. Nunca faço adaptações de textos previamente existentes para holografia. Me concentro em investigar a possibilidade de criar obras que emerjam de uma genuína sintaxe holográfica.


Holopoemas recentes

Astray in Deimos (Perdido em Deimos, 1992) explora metamorfose como seu agente sintático principal. Deimos ("terror") é o menor e mais afastado satélite de Marte. A obra é compreendida de duas palavras feitas de wireframe (EERIE and MIST, ou SOMBRIA e NÉVOA), que são vistas em um círculo de luz predominantemente amarela. Ao redor desta cena se encontra uma paisagem formada de vidro partido, a qual invade parcialmente o luminoso círculo amarelo. O círculo pode representar Deimos no céu visto do chão, ou uma cratera na superfície, ou mesmo uma escotilha na nave espacial através da qual se contempla o espaço.
À medida em que o observador se move relativamente à peça, ele percebe que as linhas que configuram graficamente as letras começam a se mover de fato no espaço tridimensional. Ele então percebe que enquanto as linhas e pontos sofrem uma transformação topológica, estaslentamente começam a reconfigurar uma outra letra em wireframe. O que foi lido como adjetivo está se transformando em um substantivo. A este processo dei o nome de interpolação semântica. Caso o observador se mova na direção oposta, o substantivo se transforma no adjetivo. A mudança das formas gramaticais ocorre não por meio de dislocamentos sintáticos em uma estrofe, mas através de uma metamorfose tipográfica que se realiza fora da sintaxe.
Ao se transformarem, as configurações intermediárias das letras – as quais não formam nenhuma palavra conhecida – evocam de modo não-semântico significados que são concebivelmente intermediários entre as duas palavras (EERIE e MIST). A questão aqui é que esta metamorfose permite que o texto sugira outros sentidos para além das duas palavras localizadas nos pólos extremos do processo. O observador lê as transformações sem tentar extrair sentidos semânticos das formas não-semânticas. Estes signos verbais multiformes criam um contexto comunicativo semelhante ao das imagens abstratas que não possuem realidade extra-pictórica, e ao mesmo tempo operam sob uma tensão gerada pelas palavras nos pólos (EERIE e MIST). Isto pode ser de difícil compreensão num primeiro exame porque tal negociação escapa à nossa expectativa sobre as operações da linguagem. Por exemplo: se me refiro às cores "preto" e "branco", posso pensar num terceiro termo que claramente identificará uma cor intermediária, ou seja, "cinza". Esta precisão se torna impossível, por exemplo, se me refiro às palavras "faca" e "luz". Não há palavra comum que possa definir um estado ou conceito intermediário entre os dois substantivos. Isto só é concebível em poesia. O que então solicito ao observador quando este lê Astray in Deimos é que leia as metamorfoses entre EERIE e MIST com a mesma ênfase que lê as duas palavras, mas sem necessariamente forçar as formas intermediárias a se referirem a coisas ou qualidades extra-linguísticas da forma que as duas palavras o fazem.
Astray in Deimos pode ser interpretado como uma espécie de hai kai espacial. O seu tema natural é a paisagem de Deimos, uma das duas luas do planeta vermelho. Este holopoema é imaginariamente escrito por alguém que tenha visitado Deimos, o qual até hoje é conhecido por nós através de fotografias tiradas pelas naves Mariner e Viking. O leitor atento observará que se a palavra MIST é percebida antes, seguida de EERIE, um elo fonético entre as duas palavras sugere uma terceira: mystery (mistério).
Havoc (Ruínas, 1992)4 é composto de 39 palavras distribuídas em três painéis holográficos. O observador pode começar a ler da esquerda para a direita ou vice-versa, ou mesmo começar no centro e então se mover na direção desejada. O painel da esquerda tem quatorze palavras (NOW, IS, IFS, AND, AIRS, ARE, MIST, BUT, PENS, ARE, THOUGHTS, IF, JAZZ, IS, TOUCH, SO, SPLASH, JUMPS, DRY - AGORA, É, SES, E, ARES, SÃO, NÉVOA, MAS, CANETAS, SÃO, PENSAMENTOS, SE, JAZZ, É, TATO, ENTÃO, SPLASH, PULA, SECO), o painel central tem uma palavra (WHEN – QUANDO), e o painel tem outras quatorze palavras (SHE IS HE IF FACES ERASE SMILES BUT THENS SAY MEMORIES ARE AIRPORTS LIKE DROPS UNDER MOONS OF MAZE – ELA É ELE SE FACES APAGAM SORRISOS MAS ENTÃOS DIZEM MEMÓRIAS SÃO AEROPORTOS COMO GOTAS SOB LUAS DE LABIRINTOS).
O material verbal nos painéis da esquerda e da direita é organizado verticalmente no espaço tridimensional. Empreguei aqui dois tipos diferentes. Quando uma fileira possui duas palavras, uma palavra é escrita com serifa e a outra sem, criando um ritmo visual alternado. As cores das palavras numa fileira são diferentes das cores das palavras na outra fileira, mas idênticas às cores das palavras na fileira seguinte, e assim por diante. Como na grande maioria dos hologramas de transmissão a luz branca estas cores nunca são estacionárias, mas a cromaticidade relativa é preservada independentement do ponto-de-vista do observador. Esta modulação de cor amplia os ritmos criados pela escolha dos tipos e contribui para entrelaçar as palavras visualmente.
Quando o observador se move em relação a estes dois painéis, os quais geralmente são vistos um de cada vez, todas as palavras neles presentes rodopiam simultaneamente, como se afogadas por um violento vórtice. As palavras perdem sua rigidez. Elas se esticam, eformam e se contorcem. À medida que as palavras entram em colapso elas se mesclam e se tornam ilegíveis. Os padrões de rodamoinho são observados no limiar da zona de visão, e se observador se move na direção oposta eles retornam a seu estado de repouso temporário.
O comportamento do painel central é diferente. Uma forma abstrata se metamorfoseia na palavra (WHEN) que se metamorfoseia de novo na forma abstrata, colocando a palavra na posição intermediária que em outros holopoemas foi preservada para formas não-semânticas. Mas no lugar da sutíl transição metamórfica criada em Astray in Deimos, por exemplo, a palavra WHEN passa por um processo violento de compressão que gera time-smear (manchas temporais). Time-smear ocorre quando o observador percebe simultaneamente dois pontos separados no tempo e discretos na trajetória de uma letra ou palavra. Um ponto pode ser "presente" ou "futuro" em relação ao outro e vice-versa, o que equivale a dizer que ambos estão suspensos no tempo de forma não sequencial. Este conceito não-convencional se traduz visualmente em amálgamas de imagens que se partem deixando traços no trajeto. Estas são percebidas como oscilações por um leitor em movimento. As formas abstratas e a palavra são decompostas no limiar de legibilidade. Ao redor desta cena mutante se encontram formas de luz semi-curvas que flutuam e se alteram. O lado convexo destes ondulantes e difusos semi-círculos aponta para fora do holograma, como que se aqui e alí pondo a palavra WHEN entre parêntesis.
O título de meu holopoema mais recente é Zephyr5 (1993), o que signifca "briza suave". Nesta peça uma relação de equivalência semântica é criada entre fragmentos de palavras e imagens percebidas em transição. A peça faz uso de ondulações aquáticas sintéticas e da técnica conhecida como particle animation6. Partículas e ondulações são perturbadas por um sopro invisível que é imaginariamente causado pelo leitor à medida que ele se move em frente à peça. Enquanto o observador explora a peça, elementos verbais e visuais se movem e se alteram, afirmando a fragilidade da condição humana. As letras nesta peça formam uma palavra dentro de outra, uma sendo afirmativa (LIFE - VIDA) e a outra parecendo questionar o caráter assertivo de seu próprio interior (IF - SE). À medida que o observador se move, a peça oscila entre preservar estas oposições e resolvê-las mesclando os termos opostos.
Nesta obra usei três hologramas master. O primeiro master contem duas letras, L e E, com espaço entre elas equivalente a duas outras letras (I e F, que estão ausentes deste holograma). Ao se mover o observador percebe que as letras são constituídas de pequenas partículas, e que estas partículas voam na sua direção –– como se carregadas pelo vento. Uma nuvem tridimensional de partículas é formada no espaço. Se o observador se move na direção oposta, esta nuvem se desfaz se afastando do observador e reconstrói as letras, como se ele tivesse soprado as partículas com seu próprio olhar.
O segundo master contem a palavra IF, formada pelas duas letras extraídas da palavra LIFE. A palavra monossilábica é projetada sobre água sintética. Perturbei a superfície desta água sintética na qual a palavra foi projetada para registrar suas oscilações visuais. O sentido de dúvida suscitado pela palavra IF é reforçado por seu movimento ondulatório, uma vez que a palavra é percebida como signo verbal ou como padrão abstrato dependendo da posição momentária do leitor em relação ao holopoema. A palavra IF é posicionada no campo perceptual de forma a corresponder ao espaço deixado no primeiro master.
Ambas as palavras são integradas em uma unidade, mas elas também se dissolvem uma na outra. Um terceiro master foi adicionado, contendo imagens estilizadas de chamas e fagulhas que formam um anel ao redor das formas onduladas. Ao examinar Zephyr, o leitor encontra palavras flutuantes, como se as ondas e as partículas dependessem para seu movimento dos caprichos das correntes de ar e do deslocamento de pequenas massas de ar causados pelo movimento do corpo do próprio observador.


Hypertexto, ou composição em rede

A esta altura farei algumas observações sobre hypertexto, uma vez que a mobilidade que lhe é característica se torna relevante para a aproximação que irei sugerir mais à frente entre holopoesia e hyperpoesia. O termo hypertexto foi criado por Theodor Nelson nos anos 60 para descrever um tipo de texto eletrônico, lido na tela do computador, que é fundamentalmente diferente do texto impresso por conta de sua estrutura não-hierárquica. O livro impresso marcou um rompimento com os rolos de papiro e outras formas antigas de registro da palavra escrita, entre outras rasões por causa de sua reprodutibilidade mecânica, linearidade padronizada, e acesso aleatório à informação. De forma semelhante, hypertexto rompe com o livro impresso porque é interativo, promove formas não-lineares de construção do texto, e permite que o leitor navegue por múltiplos caminhos.
A interatividade levada adiante por hypertextos afeta a noção de texto de modo fundamental. Com frequência, em hypertextos poéticos e literários o leitor pode não apenas fazer escolhas pessoais no que concerne o que se vê, quando se vê, e o onde se vê, mas também fazer mudanças no texto. Discutivelmente, escolhas pessoais são sempre feitas na leitura de um livro, mas –– com raras exceções –– livros são de modo geral concebidos pelo autor de modo que o leitor comece na primeira página e naturalmente prossiga até a última. Esta sequência linear não é transposta para o hypertexto, no qual o meterial verbal é organizado em unidades discretas ligadas eletrônicamente. Autores concebem suas obras de forma a fornecer ao leitor vários caminhos de leitura, transformando a obra literária numa experiência mais aberta do que o usual. Esta experiência é levada a um ponto ainda mais extremo quando aos leitores é permitido contribuir para o texto. Se estamos acostumados a tomar notas diretamente no livro que lemos, menos comum é a abilidade de apagar partes, mudar letras e palavras, ou adicionar algo de nosso próprio punho ao corpo do texto que lemos. Esta abilidade é fundamental ao hypertexto. Uma vez que o texto é representado digitalmente na memória do computador ou em um disquete, e não como marcas físicas analógicas na superfície da página impressa, com frequência autores permitem que leitores modifiquem o texto e portanto o alterem de formas variadas.
A não-linearidade do hypertexto pode ser colocada de duas formas. De um lado, é possível criar uma rede de textos entreligados, os quais, em si mesmos, sejam textos lineares tradicionais. Pedagogicamente, pode ser interessante a criação de documentos eletrônicos que liguem uma importante obra literária a uma série de ensaios analíticos e referências eruditas de nomes, eventos históricos, e lugares mencionados no texto. O público leria a obra de modo tradicional, mas teria a oportunidade de acessar qualquer outro livro ou ensaio relevante de qualquer ponto no texto principal. De outro lado, escritores e poetas experimentais podem se beneficiar de hypertexto ao radicalizarem seu potencial e ao gerarem romances ou poemas eletrônicos que enquanto tal não podem ser experienciados através do livro impresso. O material verbal neste caso deve ser organizado como uma rede multinodal e o leitor deve tomar decisões constantemente quanto às direções a seguir para que ele possa então continuar a ler através de suas interconecções. A própria concepção do texto como uma rede, cujo design irá variar de autor para auotr de obra para obra, é tão importante quanto os blocos individuais de matéria verbal encontrados pelo leitor em seu percurso. No lugar da composição por campos de Olson8, "na qual todas a sílabas e todas as linhas devem ser organizadas em suas relações umas com as outras", e na qual "uma série de tensões são contidas", agora pensamos em uma composição por campos enredados nos quais tensões se derramam e jorram.
Se além de trabalhar com texto um autor também emprega som e imagens cinemáticas, este autor extende hypertexto ao domínio da hypermedia, multiplicando assim ainda mais os nós (ou os recursos em cada nó) da rede. De uma perspectiva pedagógica, torna-se possível não apenas informar o leitor sobre uma referência geográfica em um romance, por exemplo, mas mostrar a este mesmo leitor um curto filme eletrônico sobre o local. Sob o ponto de vista da literatura experimental, o autor ganha acesso a todo um novo instrumental com o qual pode expandir o alcance da obra. É claro que a televisão já se encarrega de nos transmitir imagens, sons, e textos eletrônicos, e que o aluguel de fitas de video multiplica as opções da audiência. Mas hypermedia levanta novos conjuntos de problemas literários sobre a autoridade do autor, a estrutura da obra, e o papel do leitor. E o que é igualmente importante, hypermedia pode expandir o domínio da literatura ao prometer acesso interativo a grande quantidades de dados ligados numa complexa rede de informação audiovisual não-sequencial.


Tempestades, um hyperpoema

Ao examinar a dimensão cultural do hypertexto, observo que a poesia discontínua e metamórfica que venho desenvolvendo desde 1983 com holografia partilha com hypertexto e com a hyperpoesia criada por mim e por outros, o mesmo interesse pela rede como modelo, pela interatividade da leitura, e pelo desistir parcial do contrôle textual da parte do autor. Entretanto, eu me pergunto: se a holopoesia promove um desengajamento da linearidade típica da poesia tradicional bem como da simultaneidade gráfica da poesia visual, pode ou deve a holopoesia ser pensada como uma forma de hypertexto? A holopoesia –– que liga uma letra, fragmento gráfico tridimensional, ou comportamento de um texto a uma série de outros –– questiona a estrutura estática da poesia visual impressa, tanto quanto questiona as noções de autoria e leitura por ela criadas.
Em 1993 concluí Storms (Tempestades), meu primeiro hyperpoema, o qual pode ser lido em qualquer computador Macintosh. A obra é organizada em bifurcações vocálicas e consonantais. Para navegar pelo poema, o leitor é convidado a clicar numa letra a qualquer momento. Em alguns casos, o leitor também pode se mover ao clicar fora da palavra. Se o leitor não fizer uma escolha, isto é, se ele não clica numa vogal ou em uma consoante, ou no espaço vazio, o leitor permance imóvel. Ao fazer uma escolha qualquer, a palavra vista na tela é dissolvida e uma nova plavra emerge. O poema não tem um fim. Isto significa que pode-se continuar a explorar diferentes possibilidades de navegação ou quitar a qualquer momento, bastando para isso pressionar as teclas Q e de Comando.
Quando concluí o primeiro rascunho deste hyperpoema, percebí que sua estrutura era muito semelhante aos diagramas dos sistemas sefiróticos típicos da Cabala. Concluí que poderia explorar esta semelhança e acrescentar novos elos ao meu desenho original. O misticismo e a escritura da Cabala sempre tiveram uma influência formal em meu trabalho, e esta influência resultou em holopoemas como Abracadabra (1984/85), Lilith (1987/89, com Richard Kostelanetz), Shema (1989), and Multiple (1989). A diferença aqui é que desta vez há uma notável semelhança entre a estrutura mesma do meu hyperpoema, que promove ramificações de uma unidade textual a outra, e a estrutura desta Árvore metafísica.
Em poesia, as palavras não são usadas simplesmente para comunicar um idéia, como no discurso comum, mas para criar uma composição verbal. Na poesia linear, a presença ou ausência de acentos em uma palavra é como a presença ou ausência de acentos em outra palavra. Sílabas se tornam unidades de medida. Mensagens verbais são obras de arte porque poetas de todas as eras e nações sempre criteriosamente selecionaram e arranjaram palavras de forma particular, de modo que suas qualidades (propriedades aurais, sentidos conotativos ou denotativos, forma gráfica) pudessem resonar no interior do sistema criado pelo poeta. Como escreveu Louis Zukofsky8, "condensação é o método principal da poesia (ao contrário da essencialmente discursiva arte da prosa)". Enquanto isto ainda é verdade em hyperpoesia, o que parece estar em jogo agora é o abandono da distribuição textual característica da poesia impressa. O nó –– e não a sílaba –– do qual elos se irradiam é a nova unidade de medida. O autor agora define a obra como eixos combinatórios se entrecruzando. O leitor deve fazer seleções à moda do autor. O leitor agora contempla não uma seleção de palavras em linha ou em composições gráficas, mas em um campo eletrônico que é uma complexa rede sem forma final. Em cada nó o poeta pode usar texto ou adicionar som e imagens em movimento. Em Storms (Tempestades)decidí trabalhar com texto exclusivamente.


Conclusão

A holopoesia explora movimento e metamorfose. Em meus holotextos eu emprego uma sintaxe de deslocamentos que continuamente retira os grafemas de sua posição. Em alguns poemas emprego apenas uma palavra, mas em meus poemas com várias palavras cada uma é um nó ou ponto de interseção. Nenhuma palavra é a origem ou o começo do texto. Mesmo nas peças de uma palavra que fazem uso de algum tipo de sequência, esta sequência nunca é hierárquica (isto é, linear) e nunca assume um comço ou um fim fixos. Palavras são eixos que irradiam outras palavras a elas ligadas –– mas com frequência uma palavra perde sua integridade gráfica e se transforma temporariamente em alguma outra coisa, um signo ou um padrão abstrato sem realidade externa à linguística ou pictórica. Esta flutuação textual sugere, em última análise, uma visão da palavra e do mundo como formas maleáveis.
No hypertexto eletrônico escolhem-se caminhos, mas cada locus exibe palavras na tela bidimensional do computador, as quais são escandidas linearmente pelo olho, como na página impressa, de cima para baixo, da esquerda para a direita. Nos textos holográficos o leitor não pode adicionar nada aos elementos presentes, ao menos não por enquanto, mas além de escolher os pontos de vista de leitura os leitores encontram um espaço no qual a substância gráfica do material verbal é contantemente perturbada, sendo transformada, metamorfoseada, ou desintegrada em um novo processo de significação.
O escritor que trabalha com holografia ou hypertexto deve desistir da noção do leitor como decodificador ideal do texto e deve lidar com um leitor que faz escolhas muito pessoais em termos de direção, velocidade, distância, ordem, e ângulo que julga apropriados à sua experiência de leitura. O autor deve criar o texto levando em conta que estas decisões, pessoais como são, irão gerar múltiplas e diferenciadas experiências do texto e, o que é mais importante, que todas estas ocorrências são encontros textuais igualmente válidos.
Ao considerar o desenvolvimento de uma nova poesia para a era digital, é importante que se escreva poesia visual em meios outros que não a página impressa, meios que sejam novos e cujas convenções estejam por ser inventadas. No que diz respeito a mim pessoalmente, a holografia é o meio escolhido, mas devo ressaltar que o uso de novos media não constitui por si só um padrão de qualidade ou uma autêntica contribuição ao repertório da escrita experimental. Por exemplo, se alguém usasse a holografia simplesmente para reproduzir um poema que havia sido realizado completamente em outra forma (verso, layout gráfico, etc), este alguém não estaria criando o que eu chamo de holopoema. Um exemplo raro de importante mostra coletiva internacional de poesia visual digital foi " p0es1e digitale dichtkunst"9, organizada por André Vallias, na Alemanha, em 1992.
Nas sociedades ocidentais estamos todos acostumados a textos eletrônicos fazendo as piruetas mais elaboradas na televisão. Um jogador de golfe acerta uma bola e letras anunciado uma competição se espalham na tela. Um barbeador elétrico segue uma trilha de texto e "raspa" este texto no processo. Logotipos voam na tela para vender a identidade visual de grandes empresas, e assim por diante. O uso dinâmico da linguagem escrita ao qual estamos acostumados promove redundância, comodificação, e banalização. A nova geração de poetas pertence à cultura dos novos meios. Eles respiram televisão, fitas de vídeo, videodiscos, videofones, computadores, realidade virtual, e holografia. Em uma cultura literáriaainda dominada pela página impressa, o autor de prosa ou poesia que só podem ser lidas em meios fotônicos ou eletrônicos encontrarão dificuldade em atingir o público (seja lá o quão pequeno este público for). Apesar destes problemas, ou talvez justamente por causa deles, esta geração se vê perante o desafio de criar textos fotônicos e eletrônicos que em seu dinamismo recuperem o poder conceitual e a beleza misteriosa da linguagem.

References

1- See: E. Kac, 24 (Rio de Janeiro: Edições Gang, 1981); Glauco Mattoso, Jornal Dobrabil, (São Paulo: self-published, 1981); Helooísa Buarque de Hollanda and Carlos Alberto Messeder Pereira, eds., Poesia Jovem--Anos 70 (São Paulo: Editora Abril, 1982); Glauco Mattoso, O que é Poesia Marginal (São Paulo: Editora Brasiliense, 1983); E. Kac, Escracho (Rio de Janeiro: self-published, 1983); E. Kac and K. Trindade, eds., Antolorgia (Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1984).


2- See: E. Kac, "Holopoetry and Fractal Holopoetry: Digital Holography as an Art Medium", in Holography as an art medium, ed. Louis Brill, Leonardo special issue, Vol. 22, N1&Mac218;4 3/4, pp. 397-402, Pergamon Press, Oxford (UK), 1989; and "Recent Experiments in Holopoetry and Computer Holopoetry", in Proceedings of the International Symposium on Display Holography, ed. T. H. Jeong, SPIE Vol. 1600, Bellingham, WA, 1991, pp. 229-236.


3- T. S. Eliot, "Burnt Norton", in Collected Poems, 1909-1935, (New York: Harcourt, Brace and Company, 1936), p. 219.


4- The holopoem Astray in Deimos is in the permanent collection of the Museum of Holography, in Chicago. I am greatly indebted to Loren Billings for her continuing support.


5- The holopoem Havoc was supported in part by a New Forms Regional Grant, a program administered by Randolph Street Gallery and the National Afro-American Museum and Cultural Center, and funded by the Inter-Arts Program of the National Endowment for the Arts and The Rockfeller Foundation, with additional support from the Illinois Arts Council and Randolph Street Gallery.


6- The holopoem Zephyr was partially supported by a grant from the City of Chicago Department of Cultural Affairs, and the Illinois Arts Council Access Program.


7- Particle systems can be described as a kind of animation technique in which large amounts of very small three-dimensional objects (computer-generated particles) are set to motion simultaneously under a combination of random factors and algorithmic control. Parameters used to animate particles include life span (i.e., for how long do they move), speed, quantity, size, color, starting and ending point, and direction of travel. Once the animation starts, hundreds or thousands of particles move by themselves under constraints set by the artist. There is no need to create key frames or to set motion paths for individual particles.


8- The holopoem Maybe Then, If Only As partially supported by a grant from the City of Chicago Department of Cultural Affairs, and the Illinois Arts Council Access Program.


9 - C. Olson, "Projective Verse", in The Avant-Garde Tradition in Literature, ed. Richard Kostelanetz (Buffalo, NY: Prometheus Books, 1982), p. 252.


10- L. Zukofsky, "A Statement for poetry", in Prepositions (Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1981), p. 20.


11- This group exhibition took place at the Galerie Am Markt, in Annaberg-Buchholz, Germany, from September 12 to October 3, 1992.


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