Folha de São Paulo (Ilustrada), São Paulo, Terça-feira, 14 de Dezembro de 2004.


Kac lança luz sobre a guinada dos anos 80
Pesquisador em novos meios faz palestra hoje em SP para lançar o conjunto de ensaios “LUZ & LETRA”

Juliana Monachesi
Free-Lance para a Folha

Um pouco enfastiado com a lengalenga sobre a “geração 80” e o famoso “boom da pintura” naquela década, o mercado editorial brasileiro começa a dar sinais de guinada. Com o lançamento, hoje, do livro “LUZ & LETRA”, pela editora Contracapa, de Eduardo Kac, insinua-se uma outra história da arte recente no Brasil.

Uma história em que 1984 não é mais o ano que marcou nossas vidas por conta da exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, e sim como o ano em que todas as artes convergiram para os recém-surgidos computadores pessoais, e as redes de comunicação globais digitais aparecem no horizonte possibilitando uma transformação da linguagem artística:

“O Macintosh é lançado em 1984 e naquele ano também ocorre o boom do minitel francês. Tudo tem antecedentes, mas o ‘turning point’ se dá em 1984. A convergência mais dramática acontece quando este ateliê portátil em que convergem todas as artes - o som, o 3D, o movimento, a palavra, a imagem - se une à rede digital: ele passa a ser uma janela a um universo de contato; ele torna realmente possível uma estética dialógica”, explica Kac em entrevista à Folha, domingo à tarde na Bienal de São Paulo, em que falou de seu livro e de outros projetos.

“Luz & Letra - Ensaios de Arte, Literatura e Comunicação” reúne mais de 60 textos escritos entre 1982 e 1988 e publicados em jornais de grande circulação no Brasil. Mais do que crítica, é uma produção teórica de intervenção, que prefigura o artista-teórico de hoje.

Kac é professor e diretor do departamento de arte e tecnologia do Instituto de Arte de Chicago.


Folha - É interessante no livro a forma como você apresenta uma outra “geração 80”, esta que atuava no campo tecnológico.

Eduardo Kac - Existe toda uma mitologia a respeito dos anos 80, que ao meu ver é falsa, parcial. Esta produção de que eu trato no livro não era uma apropriação da transvanguarda italiana nem tampouco do neo-expressionismo alemão. Era uma coisa realmente autóctone e que realmente foi gerada aqui: a poesia holográfica e o videoteatro não aconteceram em outro lugar. No campo da escultura havia as esculturas infravermelhas do (Mário) Ramiro, o Wilson (Sukorski) fazia uma obra plástica-musical, com a transformação de coisas em rádio-telescópio. Quer dizer, houve de fato um movimento e esta história não está contada.

Folha - Outra coisa que chama a atenção nos textos é você ali no meio do furacão já falar que o pós-modernismo tinha sido superado, que já existia uma outra cultura, que chama de era informacional.

Kac - É que, na verdade, o termo “pós-moderno” foi introduzido por Mário Pedrosa para falar da obra do Hélio Oiticica nos anos 60, que já não era mais a rigidez de um Mondrian, já era o Mondrian para dançar um samba na favela...
Para mim a arte não tem um condicionamento material: “Pintura é arte, X não é arte”. Eu acho isso absurdo. A arte é um grau de realização dentro de uma prática plástica, então, vamos dizer, a obra de uma Tarsila do Amaral é arte não porque é pintura, mas porque chegou a um nível de realização que realmente era estupendo. Da mesma maneira um “Cidadão Kane”, de Orson Welles, é arte porque é de uma intensidade sensorial, intelectual, plástica sem paralelo. Da mesma maneira o trabalho de um Luiz Gê no quadrinho é arte porque é uma realização de alta significação.

Folha - Você acha que as perspectivas que o meio artístico tinha para a holografia, tratada com empolgação no livro, acabaram por se realizar na realidade virtual?

Kac - Eu acho que não, porque a holografia é uma linguagem muito específica. Há mais fantasia sobre a holografia do que realmente realizações, mas a leitura que a gente vai fazer destes textos daqui a 20, 50 anos ainda vai ser bastante diferente , porque muitas das coisas de que eu falava ali não se concretizaram no universo da cultura popular, mas várias delas estão em vias de entrar no mercado agora, por exemplo, a memória holográfica: há cada vez mais uma demanda por sistemas de armazenamento de informação que possam acumular num espaço menor uma quantidade maior de dados. A memória holográfica ocorre no espaço tridimensional, então armazena mais informação do que a memória linear do computador. O caráter de empolgação nos textos existe porque a gente estva descobrindo e também inventando um universo novo.

Folha - Você ainda pensa em trabalhar com holografia hoje?

Kac - Não, eu não uso a holografia na minha prática artística hoje porque o que eu queria fazer em 1983 não era trazer poesia para a holografia nem trazer holografia para a poesia, era criar uma nova linguagem poética. A holografia só entra como a solução técnica a serviço de uma visão poética. Eu achava que o ciclo da concreção do signo, no lado da poesia, e da desmaterialização, no lado da arte, havia chegado a um fim. A poesia holográfica quis ser a poesia dessa era nova... imaterial, digital, distribuída, global.


LUZ & LETRA. Autor: Eduardo Kac
Editora: Contracapa. Quanto: R$56 (432 págs.).
Palestra: hoje, às 20h, no Sesc Pompéia (r.Clélia,93,SP
tel. 0/xx/11/3871-7700). Quanto: entrada franca.

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