Originalmente publicado na revista PALAVRA, N. 1, Ano 1, Abril1999, p. 62.


CHIP NA VEIA

Eduardo de Jesus

Carioca, radicado nos Estados Unidos há quase dez anos e professordo Departamento de Arte e Tecnologia do Instituto de Arte de Chicago, EduardoKac é um dos artistas que vêm se utilizando de tecnologiasinterativas de comunicação em sua obra. Multimídiapor excelência, Kac, entretanto, não se prende dogmaticamenteaos meios: "Nenhuma obra deve ser julgada de acordo com a presençaou ausência de novas tecnologias."

A trajetória artística de Kac confirma este posicionamento.Ele começou a trabalhar com arte ainda nos anos 80, fazendo performancesno movimento do Poema Pornô, no Rio. Os poemas eram apresentadosem locais públicos, como a Cinelândia ou a praia de Ipanema,palco preferencial dos artistas. "O poema pornô não erapara ser lido em silêncio, mas sim berrado na praça ou napraia", afirma.

Sempre procurando novas possibilidades de experimentaçãoartística, seu trabalho continuou estabelecendo diálogoscom outras formas de arte. "Entre 1978 e 1982, trabalhei com inúmerosestilos de poesia, com o objetivo de desenvolver o meu próprio estilo",conta. Assim, a poesia visual, o grafite, a colagem, a tipografia e ospoemas-objeto, entre outros, foram experimentados pelo artista. Duranteessa busca, sentiu que "a página impressa aprisiona a palavradentro da dinâmica bidimensional, o que acaba limitando a expressãopoética."

Em 1983, Kac vê na holografia a possibilidade que buscava paraseu trabalho e cria a Holopoesia. Por trabalhos desta natureza, recebeuprêmios importantes, como o Shearwater Foundation Holography Award,o de maior prestígio no campo da arte holográfica. "Estanova linguagem possui uma força incrível, não somentepara criar uma experiência poética visual, mas tambémpara manipular sistemas temporais e armazenar informaçãode modo que possa ser cuidadosamente controlada, criando novas sintaxese incríveis experiências perceptivas."

Outra experiência nova que vem aparecendo no trabalho de EduardoKac é a telepresença, desenvolvida pelo artista desde 1989,com o seu primeiro trabalho no campo, o projeto Ornitorrinco. "A arteda telepresença possibilita que um participante remoto explore oespaço num corpo robótico, através de um vínculode telecomunicação. No entanto, ela pode ser desenvolvidaem múltiplas direções, expandindo esta definiçãobásica."

Essa expansão se observa claramente nos trabalhos atuais do artista.Se anteriormente Kac se valia de robôs, atualmente os limites sãooutros. Duas de suas últimas obras experimentam o própriocorpo como suporte. Em 1997, na exposição "Arte SuporteComputador", realizada na Casa das Rosas, em São Paulo, Kacmostrou o trabalho "Time Capsule". Numa sala ambientada comoum consultório médico, o artista injetou em seu própriocorpo um microchip. O sentido, naturalmente, é simbólico.Na sala da exposição havia ainda algumas fotos da famíliade sua avó materna, dizimada na Polônia durante a SegundaGuerra Mundial, junto a computadores que podiam fazer uma leitura óticado número do microchip e enviá-lo via Internet para um bancode dados nos Estados Unidos.

São muitas as questões colocadas por este trabalho: desderepensar os limites do corpo nesta virada de milênio, atécolocar em xeque os sistemas de vigilância. Durante o SimpósioInternacional de Arte Eletrônica, realizado em Chicago em setembrode 1997, Kac mostrou a obra "A-positivo", realizada com o analistade sistemas Ed Bennett, seu colaborador constante. "Trata-se de umaobra dialógica e biorrobótica, na qual um ser humano doaseu sangue em tempo real a um biorrobô; em troca, o biorrobôdoa nutrientes, também de forma intravenosa, ao ser humano. O biorrobôextrai oxigênio do sangue humano, e com ele suporta uma pequena chama,um símbolo da vida que resulta da troca entre ambos. A obra propõenovas relações entre seres humanos e robôs, e ao mesmotempo cria uma forma de arte eletrônica que se baseia no uso porrobôs de elementos orgânicos vivos", explica.

Os limites estão propostos.


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