Originalmente publicado em inglês em: Display Holography (Fourth International Symposium - Proc. SPIE 1600), Tung H. Jeong, Editor (Bellingham, WA: SPIE, 1991), pp. 229-236.


Experiências recentes em holopoesia e holopoesia digital

Eduardo Kac


A poesia visual do século vinte evoluiu tendo a página impressa como seu agente estrutural básico, como um suporte sobre o qual a tinta dá forma à composição verbal. Como uma superfície física na qual o poema é inscrito, o branco da página ganhou siginificação e na maioria dos casos contrastou como silêncio em relação às inscrições verbais que frequentemente ressonaram enquanto representações sonoras. Uma vez impresso, o signo verbal é fixado na superfície e sua significação é limitada pela rigidez da página, de forma semelhante a uma linha desenhada em tela. A comparação com pintura não é acidental, porque tanto a poesia quanto a arte modernas buscaram a especificidade de seus materiais simultaneamente, conduzindo à poesia anti-narrativa e à arte não-figurativa. À medida que a pintura moderna se afastou da figura tornando-se abstrata, a poesia moderna se afastou da linearidade tornando-se fragmentada.
Entre as convenções linguísticas do Ocidente encontramos a orientação do processo de leitura da esquerda para a direita, o que é uma representação arbitrária da cadeia linear da palavra falada. A mesma observação é válida se examinamos a página bidimensional, que herdou a norma e é lida da esquerda para a direita a de cima para baixo. Em certo sentido, a leitura de cima para baixo segue a ordinária percepção da realidade, que é regulada pela ação da gravidade sobre os elemntos. Uma sequência de páginas em um livro também é lida da esquerda para a direita, se assemelhando à cadeia formada por sequências de palavras na frase. É impossível não levar em conta os limites impostos sobre a criação poética pelas propriedades físicas do espaço visual com o qual o poeta trabalha. O desafio do poeta é exatamente o de ignorar as convenções e criar novos códigos, conduzindo a linguagem para além da redundância, da verborréia, e do ordinário. Então poetas visuais modernos distribuiram as palavras livremente na página, ou criaram estruturas auto-referenciais, por vezes com possibilidades permutacionais de leitura entre as palavras contidas na estrutura fixa. Alguns poetas fizeram imprimir fragmentos de palavras, enfatizando sua natureza visual, ou transformaram a palavra na própria imagem; sempre contendo a palavra dentro do perímetro demarcado pela imutável página impressa, ou pelos limites tangíveis dos firmes e sólidos materiais tridimensionais. A imutabilidade e estabilidade das superfícies bi ou tridimensionais condicionaram o espectro significacional da poesia visual até aqui.
Numa reação contra estruturas fixas, a poesia holográfica busca criar um espaço no qual o fator organizante da linguagem é posto de lado em favor de uma flutuação irregular de signos que nunca podem ser vistos em conjunto de um só golpe pelo leitor. Este espaço turbulento, com bifurcações que pode assumir um número indefinido de ritmos, permite a criação do que chamo de instabilidade textual. Por instabilidade textual me refiro precisamente aquela condição de acordo com a qual um texto não preserva uma única estrutura visual ao longo do tempo quando lido pelo observador, produzindo diferentes e transitórias configurações verbais em resposta à exploração perceptual do observador. Devo esclarecer que considero o poema holográfico sob a categoria genérica de texto, uma composição verbal que opera dentro do código linguístico. Sua diferença em relação a outros tipos de poesia visual é marcada por um conjunto de características que sinergicamnete desestabilizam o texto, que o mergulham em sua especificidade como texto escrito em contraste com a representação gráfica [da palavra falada], criando assim uma sintaxe embasada em transformações fugazes e em saltos discretos.
Como sugeriu Derrida1, nenhum texto é completamente controlado pelo autor, ao qual suas inerentes contradições e sentidos colaterais inevitavelmete escapam. O posicionamnto preciso das palavras [aparentemente estáveis] na superfície [inanimada] da página dá ao autor e ao leitor a ilusão de controle, de mestria e comando do texto (e frequentemente da realidade exterior ao qual o texto se refere). A poesia holográfica tenta exibir a impossibilidade de uma estrutura textual abosluta, ela procura criar padrões verbais com turbulências que magnificam pequenas mudanças em sentido de acordo com a investigação perceptual do leitor. Isto não significa que não se possa voltar a uma zona de visão na qual uma palavra apareça; sem dúvida, em um holopoema é possível ver-se a mesma palavra novamente, mas as palavras vistas anteriormente ou logo em seguida podem ser diferentes, ou se ligar semanticamente àquela palavra específica de forma diferente. Mas a questão não é tentar apontar semelhanças entre a holopoesia e outras formas de escritura experimental. Antes, a especificidade da holopoesia é o que deve ser enfatizado. Por exemplo: estruturas sintáticas podem ser criadas nas quais se poderia ver vinte ou mais palavras ocupando o mesmo espaço sem que elas se sobrepusessem umas às outras; uma palavra poderia se transformar em outra palavra/forma ou desaparecer momentaneamente. Letras podem entrar em colapso e se reconstruir ou ainda se movimentarem e formamrem outras palavras numa transição temporal reversível. Estas e outras possibilidades expressivas latentes da holopoesia são exclusivas de sua gramática e são viáveis apenas porque seu espaço, como busco criá-lo, é um campo oscilatório de luz difratada ao contrário das superfícies tangíveis de páginas e objetos. O branco da página que representava silêncio é removido e o que fica é espaço vazio, uma ausência de suporte (impresso) que não possui nenhum valor simbólico primário. Os vazios entre as palavras e letras não representam positivamente ausência de som, porque as inscrições fotônicas não representam essencialmte sua presença. Nos encontramos no domínio da escritura espaciotemporal, ou se preferirmos, da escritura quadridimensional, na qual buracos no espaço não apontam para outra coisa que a presença potencial de grafemas. Os vazios não estão lá para serem "vistos" ou "lidos", ao contrário do branco da página. Estes ajudam a formar, tomando as palavras de Derrida2 em sentido literal, um jogo de ausência e presença.
Tanto Peirce quanto Saussure concordaram na natureza física do que chamaram, respectivamente, de signo e significante. Para Saussure, o significante é o "som-imagem" (a palavra "árvore", por exemplo) que carrega o significado ( o conceito "árvore"). Ambos formam juntos o signo de Saussure. Para Peirce, o signo é algo percebível por nossos sentidos (como fotografias, fumaça ou palavras grafadas) e produz sentido ao se referir a algo diferente de si mesmo, como um objeto (a palavra "maçã"), evento (fumaça indicando fogo) ou cena (paisagem fotográfica). Para que a palavra aqui impressa AVIÃO possa se referir ao [significar o] veículo que transporta pessoas e objetos pelo ar, esta palavra deve pertencer a um específico contexto cultural e textual e suas letras devem ser percebidas por nossos sentidos na sequência correta. A palavra que resulta da sequência de letras deve possuir constância visual. Na poesia visual, o signo verbal foi e é submetido a um número de tratamentos gráficos que contribuiram para ampliar os sentidos das palavras para além de suas associações convencionais. Mas assim que a palavra impressa é cortada, fragmentada e/ou incorporada a uma colagem, ela não escapa da imutável composição final.
A dissolução da solidez do espaço poético, que torna a sintaxe descontínua da holopoesia possível, também afeta as unidades significativas do poema, isto é, a letra e a palavra. Um dos elementos da holopoesia, o qual nem sempre aparece em todos os holotextos, é o que aqui chamarei de signo fluido. Trata-se essencialmente de um signo verbal que modifica a sua configuração visual ao longo do tempo, escapando portanto à constância de significação típica do signo impresso, conforme descrito acima. Signos fluidos são reversíveis no tempo, o que significa que as transformações podem fluir de pólo a pólo e vice-versa. Eles também podem ser usados como partes de um texto maior, no qual cada signo fluido esteja ligado a outro signo fluido por meio de sintaxes descontínuas.
Signos fluidos criam uma nova unidade verbal de composição, no qual o signo não se define como uma coisa ou como outra. Signos fluidos são perceptualmente relativos. Dois ou mais observadores que estejam lendo o mesmo poema de pontos de vista diferentes estarão vendo coisas diferentes; um observador em movimento poderá perceber reversões e mudanças ininterruptas entre tantos pólos quanto os flagrados no texto.
Signos fluidos também podem desencadear metamorfoses entre palavra e signo abstrato, ou entre palavra e cena ou objeto. Quando isto ocorre, ambos os pólos alteram o sentido de cada um. A transfiguração que ocorre produz sentidos intermediários que são dinâmicos e tão importantes na holopoesia quanto os sentidos produzidos momentariamente nos pólos. Os sentidos das configurações intermediárias não podem ser substituídos por uma descrição, como a palavra AVIÃO pode ser substituída no contexto correto por sua definição [isto é, "veículo que transporta pessoas e objetos pelo ar"]. Estas configurações também não podem ser substituídas por nenhuma palavra específica, tal como "cinza" sugere uma posição [ou sentido] intermediária entre preto e branco. Conjuntos transitórios de letras e formas efêmeras que são visualizadas entre palavras ou entre palavra e imagem, buscam na holopoesia ampliar a imaginação poética e sugerir significados, idéias e emoções que não têm como ser evocados por meios tradicionais.


Novos Holopoemas

Enquanto ainda residia no Rio de Janeiro, Brasil, produzí sete poemas holográficos, de Holo/Olho (1983) a Quando? (1987/88). Algumas destas peças foram feitas no Brasil, outras nos Estados Unidos. Em 1989 me mudei para Chicago, onde tenho tido a oportunidade de trabalhar e experimentar de forma mais constante. Descreverei em seguida os poemas que criei desde minha chegada. Estas descrições procuram apenas servir como guias iniciais aos holopoemas e não têm por objetivo exaurir suas possibilidades de leitura.
Minha primeira peça em Chicago foi Phoenix (Fênix, 1989), um poema composto de apenas uma letra que concentra atenção nas suas propriedades visuais ao invés de representar um som. Esculpida com ambiguidade, a letra W pode ser percebida como um pássaro estilizado de asas abertas. Esta letra flutua 50 cm à frente da superfície do filme holográfico. Ela é trespassada por uma chama vertical que pode ser lida como a letra I e que se movimenta aleatoriamente de acordo com as correntes de ar. A letra-imagem de transmissão a laser produz uma curiosa harmonia com a chama, sugerindo talvez que hoje somos tão fascinados por imagens laserianas quanto o homem primordial o fora pelo fogo. Onde e quando a cor vermelha da imagem a laser encontra a chama azul, um híbrido magenta é percebido.
Criado em colaboração com Richard Kostelanetz, o holopoema Lilith (1987/89) emprega palavras em francês e inglês para fazer um comentário sobre a lenda que lhe dá título. Na etimologia popular judaica, Lilith significa "demônio da noite." Sua compreensão como "demônio feminino" tem raízes babilônicas, mas Lilith também siginifica qualquer mito de "demônios femininos." Na literatura mística judaica, ela é a Rainha dos Demônios. De acordo com uma outra lenda, ela foi a primeira mulher de Adão. Ao contrário de Eva, Lilith não teria sido criada de parte do corpo de Adão e portanto seria totalmente independente dele. De acordo com esta lenda, foi apenas depois que Lilith abandonou Adão que Eva foi creada. Na literatura cabalística tradicional –– até bem pouco área dominado por homens –– ela é símbolo de sensualidade tentação sexual. As transformações que ocorrem no poema entre as palavras HE (ele, em inglês), EL (em hebraico, abreviação de "Elohim", ou "Deus"), ELLE (ela, em francês, e imagem especular de EL), e HELL (inferno, em inglês) buscam revelar e criticar os preconceitos que circundam o mito de Lilith, produto de uma cultura dominada pelo sexo masculino que criou Deus à sua [masculina] imagem e semelhança.
Três peças seguintes, Albeit (Embora, 1989), Shema (1989) e Eccentric (Exêntrico, 1990), tratam da questão do texto no espaço descontínuo de três maneiras diferentes. Albeit é composto de cinco palavras que são duplicadas e fragmentadas no espaço por meio de quatorze masters (o equivalente ao negativo fotográfico), de forma a produzir uma densa configuração construída com camadas sobre camadas de campos cromáticos e espaços entre eles. As palavras são lidas de forma quase estroboscópica de pontos de vistas diferentes, multiplicando os sentidos e associando paralelamente, num processo de fragmentação, a referência contaditória ao tempo evocada pelo texto. A palavra "take", por exemplo, pode ser percebida como verbo ("take your time", ou "fique à vontade") ou como substantivo ("your take is over", ou "sua tomada [cinematográfica] já acabou") –– uma flutuação sintática que é instrumental na instabilidade textual da holopoesia. A palavra "time" (tempo), em outra circunstância, pode ser sujeito, como em "time take(s) over" ("o tempo assume o contrôle"), quando a letra "s" é lida no original inglês in absentia. A palavra "time" também pode ser lida como objeto direto, como em "take your time".
Shema se estrutura com significantes verbais flutuando em três campos cromáticos expandidos que se interpenetram, criando uma espécie de discontinuidade transicional entre si. A plavra "shema" significa literalmente "escuta", mas é também o nome de uma reza que é a profissão de fé do judaismo. O texto deste holopoema é em hebraico e é composto basicamente de quatro palavras e uma letra grande. A letra modifica as quatro palavras para criar quatro novas palavras –– dependendo das decisões feitas pelo observador ao se mover diante da obra no processo de leitura. Assim, a palavra "maim" (água) é modificada pela letra "shien" (S), to produce "shamaim" (sky, heaven). A palavra "mavet" (morte) é modificada pelo "shien" para sugerir "shmvot" (Exodo). A palavra "mah" (porque?, o quê?) é modificada para formar "shamah" (desolação, destruição). Enfim, a palavra "mash" (jogar fora, remover) vira "shemesh" (sol). As oito palavras resultantes produzem uma atmosfera de associações, sugerindo sentimentos sobre a morte e perdas emocionais. A peça é dedicada a Perla Przytyk, in memoriam.
Tal como ocorreu com as palavras nas duas peças mencionadas acima, as nove palavras em Eccentric (shadows, sounds, smells, nos, nevers, nothings, that, memories, erase –– sombras, sons, cheiros, nãos, nuncas, nadas, que, memórias, apagam) jamais são vistas simultaneamente no espaço. Desta vez, entretanto, o leitor sequer pode perceber as palavras quando olha diretamente para o espaço holográfico. Para perceber cada palavra, o leitor deve inventar seu próprio código tolopológico de leitura. Deve-se procurar pelas palavras de forma diagonal e decidir se a leitura se dará olhando para cima e para a esquerda alternada ou sucessivamente, ou para baixo e para a direita ao mesmo tempo. As zonas de visão invisíveis que se cruzam no espaço criam uma sintaxe altamente turbulenta. Advérbios (nevers, nos) são encontrados em forma plural e substantivos no plural (sounds, smells, shadows) podem ser lidos como verbos no presente da terceira pessoa do singular. A configuração visual das letras no interior de cada palavra sugere diferentes interpretações, como o substantivo "nothings" evocando a sentencas "not this sign" (este signo não). Em configurações não-gramaticais, o pronome "that", por exemplo, pode se tornar uma conjunção (nos that shadows erase –– nãos que as sombras apagam), um advérbio (smell(s) that nevers -- XXXXXXXXX), um adjetivo (that shadow(s) that nothings erase –– aquela sombra que nadas apagam), ou um sujeito (that sounds memories -- aquilo soa memórias).
Amalgam (1990) é formado de dois conjuntos de duas palavras (flower-void [flor-vazio] e vortex-flow [vórtice-fluxo]), e cada conjunto se mescla um no outro quando o leitor tenta ler o texto. O leitor percebe a transição visual entre os conjuntos como uma tentativa de produzir uma transição semântica, de tal forma que figurações intermediárias indiquem sentidos intermediários.. Em outras palavras, quando o olho esquerdo vê um conjunto e o olho direito vê o outro simultaneamente (o que é fundamentalmente diferente de os dois olhos perceberem pontos de vista diferentes da mesma cena), o observador está de fato vendo um signo verbal transitório que possui sentidos igualmnete transitórios. Isto é o que chamei de leitura binocular. Isto ocorre quando os dois olhos tentam forçar uma sínetese que é detida pela rivalidade retiniana. Neste processo, uma estratégia de leitura complementar pode ser implementada: substantivos podem ser interpretados como verbos, como em "flow (and) vortex void flower" (fluxo e vórtice anulam flor), ou "flower (,) void (and) vortex flow" (flor, vazio e vórtice fluem).


Holopoemas de computador

Como consequência de minha busca por um espaço turbulento dado à mutabilidade, comecei a experimentar em 1987 com um novo tipo de texto que chamei simplesmente "computer holopoetry" (holopoesia de computador, ou digital). Já que escrevo holopoemas digitais num processo de síntese estereoscópica, ao contrário do mais conhecido método de registro ótico que uso para meus outros holopoemas, consigo manipular cada elemento do texto com maior precisão. Acredito que a holopoesia digital me permitirá escrever textos nos quais o leitor poderá deslocar letras e palavras de sua posição numa zona dos espaço bastando para isso apenas contemplá-las. À irriquieta coreografia de meus textos anteriores adiciono um novo fator de movimento. Este se soma aos "saltos quânticos" e às fusões óticas que já ocorriam antes entre duas ou mais zonas no espaço. Agora posso escrever textos nos quais o leitor perceba fragmentações e metamorfoses animadas no interior de uma zona, ou posso incorporar estas e outras novas possibilidades em holopoemas híbridos que integrem elementos óticos e digitais. Com os holopoemas digitais pretendo ampliar a solubilidade do signo e extendê-la às partículas da linguagem escrita, as letras elas mesmas, enriquecendo o leque de ritmos e processos significativos do texto.
Meu processo de escrita pode ser resumido da seguinte maneira: 1) geração e manipulação com ferramentas digitais dos elementos do texto no espaço simulado do computador por meio de um programa ou software (esta etapa também poderia ser referida como estágio de modelagem); 2) estudo e decomposição prévia das múltiplas configurações visuais que o texto eventualmente terá; 3) estabelecimento de tonalidades e texturas na superfície dos modelos (letras e palavras); 4) interpolação, isto é, criação de sequências animadas, que a esta altura são armazenadas como um único documento na memória do computador (esta etapa também poderia ser referida como "motion scripting"); 5) exportação do documento para um programa de animação e edição das sequências (incluindo manipulação dos elementos do texto em regime de pós-produção); 6) registro sequencial das cenas do computador para filme cinematográfico; 7) registro sequencial a laser das cenas de filme cinematográfico para filme holográfico e 8) síntese holográfica final obtida ao transferir a informação armazenada no holograma master de transmissão a laser para um segundo holograma, agora visível em luz branca.
O primeiro holopoema que criei em Chicago foi Multiple (Múltiplo, 1989), no qual a sequência de números 3309, uma simples equação sem os sinais matemáticos, é vista flutuando no espaço e atravessando a superfície do filme holográfico perpendicularmente. À medida que o leitor se move e passa pelos números, estes giram e são vistos como um padrão abstrato e então como a palavra POEM (poema) e vice-versa. Em princípio, a forma tridimensional permanece a mesma, tal como o faria se fosse um objeto palpável comum –– mas esta se modifica. A paralaxe é responsável pela multiplicação dos sentidos, que se baseiam na tripla função do signo (palavra-imagem-número). Esta peça traduz uma característica do alfabeto hebraico –– letras também representam números –– para o alfabeto latino.
Souvenir D'Andromeda (Lembrança D'Andromeda, 1990) é composto de uma única palavra, que também é percebdia como um conjunto de formas abstratas dependendo do ponto de vista do observador. Se o observador lê primeiramente a palavra LIMBO, à medida que este se move a palavra gira (cruzando do espaço virtual para o espaço real e vice-versa) e se desmonta (como se estivesse explodindo). Enquanto isto acontece, os fragmentos da palavra, que não são mais legíveis, são percebidos como puras formas. Este processo é reversível.
Se o fragmento de um som ainda produz ressonâncias fonéticas, a fragmentação de uma letra produz formas visuais –– um processo que exibe a natureza gráfica da linguagem escrita em oposição à natureza fonética da linguagem falada. A palavra LIMBO conota "esquecimento", "suspenção" e "nada" em várias línguas –– sentidos estes que são sublinhados pelo processo visual de fragmentação.
Em Omen (Presságio, 1990) a palavra EYES flutua e gira, emergindo e se dissolvendo num espaço definido por fumaça luminosa. Este giro da palavra acontece de forma a fazer com que a letra E, vista de um ponto de vista específico, desapareça no interior da fumaça antes que toda a palavra o faça, fazendo com que o leitor perceba a palavra YES no limiar da legibilidade e sugerindo a palavra SEE. A fumaça é carregada de ambiguidade, porque é percebida como elemento que bloqueia a visão e como meio transparente. Através deste movimento orquestrado, minha intenção foi a de criar uma metáfora que expresse a antecipação enevoada de um evento no futuro.
Nas três obras mencionadas acima trabalhei com movimento, mas não explorei a discontinuidade sintática que havia explorado em outros textos, tais como Abracadabra, Albeit e Eccentric. Meu desejo de escrever textos em movimento com elos sintáticos irregulares em um campo perceptual heterogêneo conduziu à criação de três novas peças em 1991.
Adrift (À deriva) é basicamente composto de sete palavras que se dissolvem no espaço e umas nas outras à medida que o observador as lê. Dependendo do caso, o observador pode começar a leitura pela letra que se encontra mais próxima ou mais distante de si. O processo de leitura se dá para trás e para frente ao longo do eixo Z (profundidade). Esta peça também é uma tentativa de mesclar o digital e o ótico, fazendo com que um empreste suas características ao outro. As letras que formam as palavras (subtle, lightning, when, gears, and butterflies, breathe -- relâmpago, sutil, quando, engrenagens, e borboletas, respiram) flutuam irregularmente ao longo de vários eixos Z, com exceção da palavra "breathe" (respiram), que se encontra integrada ao campo luminoso. Esta palavra é soprada por um vento imaginário e suas letras se dispersam voando para longe de sua psoição original e se dissolvendo no campo de luz. O movimento das letras desta palavra perturba a estabilidade das demais palavras.
O holopoema seguinte nesta série é Zero, no qual palavras crescem ou se encolhem, giram ou se quebram, expressando o drama de uma crise de identidade num mundo futuro. Rotações, fusões e outras ações fazem com que as palavras enfatizem suas relações e sentidos no espaço. A multiplicidade de "egos" que seria inexorável com a ploriferação da clonagem é o tema ulterior do poema, mas o leitor atento perceberá que a resposta ao enigma poderia ser encontrada em palavras residindo no interior de outras palavras.
Em Adhuc, o terceiro na série, o observador percebe uma complexa coreografia executada pelas palavras que o compõe (whenever, four years, or never, far eve, forever, evening –– quando for, quatro anos, ou nunca, véspera distante, sempre, noite). Todas as palavras fazem referências temporais em graus distintos, contribuindo para uma vagueza geral que pode resistir à leitura numa primeira vista. Os padrões de interferência que se mesclam às palavras contribuem para criar uma atmosfera de incerteza, não apenas no que diz respeito à visibilidade das palavras mas também quanto aos sentidos que evocam.


Conclusão

As questões teóricas discutidas aqui refletem minha busca por uma nova poesia capaz de expressar as mudanças globais em curso neste fin de siècle, tais como o relativismo cultural promovido pelo pós-estruturalismo e pela deconstrução, o novo pensamento científico impulsionado pelas técnicas digitais de visualização, o holismo das redes de telecomunicação, e o cyberspace (cyberespaço) interativo dos terrenos emergentes da realidade virtual e da telepresença. Estudos científicos e culturais contemporâneo estão rompendo com modelos antigos. Na sociedade vemos o questionamento da polaridade positivo-negativo que formaram a abordagem estruturalista, e no discurso científico vemos o surgimento da teoria do caos, a qual destrói a noção de predição determinística e contribui para formar o novo paradigma holístico em conjunto com a Relatividade e a teoria quântica. A linguagem dá forma ao pensamento, que por sua vez constrói o mundo que nos rodeia –– assim, a sintaxe tem um papel preponderante na arte da palavra, a poesia. Estou interessado em investigar uma sintaxe de interrupções; uma linguagem de animação que se afaste de e que rebata interpretações conclusivas. Me interesso por uma leitura/escritura interativa e em luz em propagação como seu meio. Na holopoesia, textos são redes animadas por animações e eventos verbais descontínuos.


Referências
1- J. Derrida, Of Grammatology, p. 58, The John Hopkins University Press, translated by G. C. Spivak, Baltimore and London, 1976. Derrida afirma que o escritor "escreve numa linguagem e numa lógica cujo sistema, leis, e vida seu discurso por definição não pode dominar absolutamente. Ele a usa apenas ao se deixar governar, de certa forma e até certo ponto, pelo sistema. E a leitura deve sempre procurar uma certa relação, não percebida pelo escritor, entre o que ele controla e o que não controla dos padrões da linguagem que emprega."

2- J. Derrida, "Structure, Sign, and Play in the Discourse of the Human Sciences", The Structuralist Controversy; The Languages of Criticism and the Sciences of Man, R. Macksey and E. Donato, ed. p.64, The John Hopkins University Press, Baltimore and London, 1982. Derrida: Freeplay é sempre uma interação entre presença e ausência, mas se é para ser concebido radicalmente, freeplay deve ser concebido diante da alternativa de ausência e presença começando com a possibilidade de freeplay e não o contrário."

3- Veja: E. Kac and O. Botelho, "Holopoetry and Fractal Holopoetry: Digital Holography as an Art Medium", Leonardo, Vol.22, No. 3/4, pp. 397-402, 1989.

4- Para uma descrição mais detalhada do holopoema "Omen", veja: E. Kac and H. Bjelkhagen, "Holopoem blends pulsed and computer holography", Laser News, Vol. XI, No. 1, p. 3, 1991.


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