Resenha publicada em Ciberlegenda Número 8, 2002<http://www.uff.br/mestcii/jorge1.htm>.


A POESIA DAS MÍDIAS ELETRÔNICO-DIGITAIS
Jorge Luiz Antonio
jlantonio@uol.com.br 

 Kac, Eduardo (Editor). (1996). New Media Poetry: Poetic Innovation and New Technologies. Guest Cover design by Claudia Bernheim. Visible Language 30.2. Providence, Rhode Island, Rhode Island School of Design, Graphic Design Department, January, May and September 1996.

             A nova poesia das mídias: a inovação poética e as novas tecnologias é o título da edição 30.2 de Visible Language, uma revista da Escola de Design de Rhode Island, em Providence, Estados Unidos, que reúne dez ensaios de oito autores, organizados e introduzidos por Eduardo Kac, e seguidos de uma web-bibliografia, a respeito de uma poesia que surge para estabelecer uma conexão entre as poesias sonora, verbal e visual existentes, ou seja, a poesia das novas mídias, que passou a existir a partir da segunda metade do século XX. Essa antologia de textos representa uma reflexão sobre as experiências de poetas, artistas e teóricos (Jim Rosenberg, Philippe Bootz, E. M. de Melo e Castro, André Vallias, Ladislao Pablo Györi, John Cayley, Eduardo Kac e Eric Vos.) de vários países (Estados Unidos, França, Portugal, Brasil, Argentina, Inglaterra, e Holanda).
 
            A capa de Claudia Bernheim (dois livros sobre um fundo negro, um aberto e um fechado, e caracteres em branco) apresenta uma harmonia com as páginas da revista que, mesmo usando caracteres pequenos e fundos ora brancos e negros, alternadamente, enseja uma leitura agradável, em que as referências bibliográficas formam notas na coluna à esquerda, ao invés de no fim do capítulo ou de cada página.
 
            A coletânea foi elaborada para ser lida por estudiosos, estudantes e pessoas interessadas nas relações entre arte, poesia e tecnologia das novas mídias.
 
 
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            JIM ROSENBERG: A SENTENÇA-DIAGRAMA INTERATIVA: O HIPERTEXTO COMO UM MEIO DE PENSAMENTO - Rosenberg (1996: 103-116) aborda a questão das formas poéticas não lineares, que levam a um pensamento também não linear, por meio da justaposição de palavras desvinculadas da estrutura sintática, com base em duas teses. Para ele, a justaposição é um ato estrutural, em que se procura dissociar as palavras de sua "ordem" natural. A justaposição de sons e de imagens é diferente da justaposição de palavras, pois no segundo caso pode ocorrer um sacrifício da inteligibilidade. Um "método para aproximar o segundo problema - como incorporar as estruturas nulas como elementos estruturais - tornou-se aparente muito antes de eu imaginar como a justaposição poderia ser hoje implementada. Criando um vocabulário visual estrutural explícito - separando a sintaxe fora do seu próprio canal, quer dizer -, as regras estruturais poderiam apenas ser diretamente indicadas." (Rosenberg 1996: 105). É o que ele conceituou como poema diagramático (diagram poem).
 
            Essa poesia diagramática se constrói por meio de feixe de pontos. A sua leitura se faz de acordo com a capacidade de memorização das seqüências e dos entendimentos a que o "leitor" foi / é / será capaz de atribuir.
 
            Guardadas as devidas proporções, a poesia diagramática pode ser vista como uma adequação, transposição e atualização de procedimentos da poesia concreta e da montagem eisensteiniana, sob o ponto de vista da interatividade das palavras no contexto eletrônico-digital. A poesia se desvincula das experimentações a que foi submetida pela permutação (Abraham Moles e Max Bense), que gerava frases, sintaxes lineares, portanto, e passa a encontrar uma vinculação estrutural visual, espacial.
 
            Essa justaposição passa a ser, também, interativa: justapor palavras sobre palavras é usar os links do hipertexto, o que produz novos significados e legibilidades por meio de layers (camadas) que podem apresentar as palavras simultaneamente (gerando ilegibilidade) ou separadamente, de acordo com a escolha intencional deste ou daquele fragmento específico (layer).
 
            Ao tornar o diagrama interativo, Rosenberg passa a considerar o hipertexto como um meio de pensamento: "A proposta para o hipertexto como um meio de pensamento, para o hipertexto dentro da infra-estrutura da linguagem, é uma proposta para uma "externalização" da sintaxe análoga à externalização do sistema nervoso manifestado nas atividades da rede dos computadores" (idem: 115).
 
 
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            PHILIPPE BOOTZ - AS MAQUINAÇÕES POÉTICAS - Bootz (1996:118-137) primeiramente traça um panorama histórico da computer poetry (poesia no computador) desde Théo Lutz e Jean Baudot até alire (França, 1989), A.L.A.M.O., a primeira revista telemática Art-Access, Les Immateriaux e o nascimento de L.A.I.R.E., com ênfase numa amostragem significativa da evolução francesa, para, em seguida, analisar profundamente as diferenças que emergem entre os dois grupos de autores franceses, A.L.A.M.O. (uma oficina de matemática e literatura assistida por computador) e L.A.I.R.E (Lecture, Art, Innovation, Recherche, Écriture) quanto aos pontos de vista, aproximações e espaços dados pelos autores à poesia do computador no que diz respeito às artes, à máquina e ao texto.
 
            Os primeiros textos de computador foram desenvolvidos em 1959, em Stuttgart, Alemanha, por Théo Lutz, e em 1964, in Montreal, Canadá, por Jean Baudot, que trabalharam com geradores de textos, cujo projeto consistia em colocar, de todas as maneiras possíveis, o computador a serviço da literatura, ou seja, produzir obras com a assistência dos meios eletrônicos (vídeo, computador, televisão, cinema, etc.).
 
            A primeira revista em disco flexível e dedicada à publicação de poesia digital - a alire - foi apresentada em janeiro de 1989 na Révue parlée do Centro Pompidou.
 
            Na França, dois elementos específicos determinaram um desenvolvimento diferente: a forte tradição literária do país e o impacto da Minitel.
 
             Mesmo com a forte tradição literária francesa, "Oulipo" (Ouvroir de Littérature Potentielle - Oficina de Literatura Potencial) apresentou as primeiras aventuras da literatura por computador e deu origem a A.L.A.M.O., que expôs Les Immatériaux no Pompidou Centre em 1985.
 
            Um outro componente da poesia para o computador é a presença da poesia sonora, visual e espacialista, os movimentos pós-dadaístas que se agrupavam em torno da revista Docks. Esses escritores estavam tentando desenvolver técnicas para escrever textos que levavam em conta o tempo e a presença do leitor (poemas locais, textos em rede), técnicas essas que anteciparam as do videotexto e certas categorias de textos computadorizados interativos.
 
            O segundo aspecto diz respeito ao impacto da Minitel, que deu origem a uma efêmera estrutura: a primeira revista telemática de arte, a Art Access, que reuniu, em 1985 e 1986, um grande número de artistas de tendências diferentes que, de certa forma, formaram uma "federação", um grupo, que levou a um Festival de Poesia, com a participação de L.A.I.R.E. e A.L.A.M.O., que apresentaram a instalação de textos computacionais animados. Tem início o desenvolvimento do vídeo como forma de expressão artística.
 
            De uma forma geral, comparando A.L.A.M.O. e L.A.I.R.E., percebemos a ausência da palavra "literatura" no segundo grupo, e disso podemos refletir o seguinte: o computador é considerado, inicialmente, como fora do objeto literário, uma ferramenta necessária ao ato de escrever. O texto é o objeto gerado pelo computador e é lido no papel. Trata-se, pois, do computador que ajuda programas de escrita.
 
            Outra diferença observada é a presença da palavra "assistida" em A.L.A.M.O. e a ausência de "computador" em L.A.I.R.E., da mesma forma que "literatura" aparece na primeira revista e é desenvolvida para "ler-e-escrever" na segunda.
 
            O texto e o seu meio é um dos princípios mais importantes das questões relativas ao texto, ao leitor e ao computador. Primeiramente, o computador é considerado como estando fora ou do outro lado do objeto literário, uma ferramenta necessária ao ato de escrever. O texto em questão é o objeto gerado pelo computador e pode ser lido no papel. Dessa forma, o número 15 da Action Poétique fala do "computador que assiste / auxilia programas de redação / programas de textos" e de "textos obtidos por meio de diversos programas de computador", de "maquinas geradoras de textos" (idem: 125:). Em resumo, tratava-se de texto gerado e literatura assistida  por computador. A máquina, dessa forma, interfere e altera a  noção de texto, autor e leitor.
 
 
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            E. M. de MELO E CASTRO - VIDEOPOESIA - Melo e Castro (1996: 138-149) conceitua teoricamente a videopoesia, distinta da videoarte, como resultado da experimentação com vídeo e produção poética e criativa com signos verbais e não-verbais desde 1968, em Lisboa, Portugal.
 
            Para o autor, a poesia, de uma forma geral, "está sempre no limite das coisas. No limite do que pode ser dito, do que pode ser escrito, do que pode ser visto, mesmo do que pode ser pensado, sentido ou entendido. Estar no limite significa freqüentemente para o poeta estar além da fronteira do que estamos preparados para aceitar como sendo possível" (idem: 140).
 
            A videopoesia, uma experimentação a partir das poesias sonora, verbal e visual para o poeta e teórico português, "é uma investigação das características específicas do texto eletrônico, como oposto àquelas da pintura em movimento e a massificação da rede televisiva." (idem: 141), uma continuação da poesia experimental (economia de linguagem, transgressão da gramática, experiência com algoritmos combinatórios aplicados aos materiais verbais, palavras e letras, parataxe, uso do espaço como expressão poética, etc.) que o poeta exemplifica a partir das 30 obras que criou de 1968 a 1994. Assim como a fotografia é julgada em oposição à pintura, o cinema ao teatro, o vídeo ao cinema, a videopoesia tem referência direta com a poesia experimental dos anos 60 como texto iconizado.
 
            O uso do vídeo como forma de expressão de artística está intimamente ligado ao complexo tipo de tempo que ele dá ao poeta e ao leitor, gerando isso uma nova leitura poética. Enquanto que na página escrita e impressa os caracteres, as sílabas e as palavras estão estáticas, e o movimento pertence aos nossos olhos seguindo a seqüência de signos comumente organizados em linhas horizontais do alto para o baixo da página, ou mesmo no caso em que os olhos devem procurar uma seqüência, na videopoesia, num monitor de tevê, o texto (verbal e não verbal) se move em diferentes e algumas vezes inesperadas direções e caminhos.
 

            "Ler um videopoema é uma experiência complexa como diferentes momentos de percepção que irão coincidir com imagens se movendo e se transformando. Então nos confrontamos com diferentes tempos e ritmos: a) o tempo pertencente ao videopoema como uma de suas variáveis; b) o movimento de nossos próprios olhos para encontrar um caminho para ler os signos; c) o tempo de nossa decodificação e entendimento do que estamos vendo no momento." (idem: 142-143)
 

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            ANDRÉ VALLIAS - NÓS NÃO ENTENDEMOS DESCARTES - Vallias (1996: 150-157) descreve seu envolvimento com a mídia digital e as origens do seu conceito de poema "diagramático": uma poesia não logocêntrica, capaz de compor todas as formas nas quais o conhecimento se manifesta, como palavras, números, imagens, sons, etc., adequada à sociedade telemática, uma espécie dediagrama que compele a maneiras não-lineares e ativas de leitura.
 
            Assim ele define a sua poesia: 
 

"Eu troquei o simulacro da página em branco e da paleta de cores - úteis para mim através dos programas de edição de textos - pelo branco infinito e pela austera e complexa interface do design com auxílio de computador, o programa AutoCad tornou-se meu fio de Ariadne e as coordenadas xyz meu novelo mágico de fios." (idem: 152)

 
            De uma forma geral, André Vallias, como web designer, utiliza a sua vasta cultura artística e parte do ponto em que os recursos tecnológicos (softwares, interatividade, hipertextualidade, interface) estão disponíveis, oferecem e se mostram como capazes de estabelecer um elo entre a poesia do passado (Safo, Baudelaire, Homero, Poe, etc.) e a do presente.
 
            Um dos poemas exemplificados ao longo do artigo é "Nous n'avons pas compris Descartes"(1) (Nós não entendemos Descartes), elaborado com a ajuda de um programa de design para computador, cujo tema é a relação entre a página e o poema. Para o autor, a forma sinusoidal deste poema pode talvez ser vista como uma referência à geometria analítica de Descartes, ou uma inter-relação virtual de códigos, um gesto programático que pode dar a esse "meta-poema" o caráter de um manifesto.
 

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            LADISLAO PABLO GYÖRI - POESIA VIRTUAL - Györi (1996: 158-163) se utiliza do computador, da teoria da informação e do cálculo da probabilidade com o fim de modificar a sintaxe usual para postular a não-linearidade como elemento composicional.
 
          Essa experiência poética, que ele denomina de poesia virtual ou vpoesia, é a produção de construções virtuais em 3D ou poemas visuais 3D com alta entropia e conteúdo visual. Os critérios para esses poemas virtuais ou vpoemas baseiam-se em “entidades digitais interativas, capazes de: (i) integrarem-se a ou bem ser geradas dentro de um mundo virtual (aqui denominado de DPV ou “domínio de poesia virtual”), a partir de programas ou rotinas (de desenvolvimento de aplicações RV e exploração em tempo real) que lhes conferem diversos modos de manipulação, navegação, comportamento e propriedades alternativas (ante restrições “ambientais” e tipos de interação), evolução, emissão sonora, transformação animada, etc.; (ii) ser experimentadas por meio de interfaces de imersão parcial ou total (ao ser “atravessáveis” ou “sobrevoáveis”); (iii) assumir uma dimensão estética (de acordo com o conceito de informação - semiótico e entrópico), não reduzindo-se a um simples fenômeno de comunicação (como mero fluxo de dados) e (iv) manterem-se definidas em torno de uma estrutura hipertextual (circulação de informação digital aberta e multíplice), porém sobretudo envolvendo hiperdiscursos (caracterizados por uma não linearidade semântica forte).” (idem: 162).
 
     A poesia virtual conceituada por Györi só existe no espaço eletrônico e nas redes de computadores, é interativa, animada, hiperligada e navegacional.
 
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            JOHN CAYLEY - ALÉM DO CÓDIGO DO ESPAÇO: POTENCIALIDADES DO CIBERTEXTO LITERÁRIO - Cayley (1996:164-183) ressalta o uso e o abuso da linguagem visual nos dias de hoje e que essa mesma tendência se repete no ciberespaço, gerando uma necessária convivência da linguagem verbal com a visual e estimulando um texto codificado, "o surgimento de uma exuberante massa de novas formas e proto-gêneros da linguagem visual" (idem: 166): listas de correspondências eletrônicas ou egroups, conferências on-line ou zonas de conversação (chats), ambientes multi-usuários para role playing games (MOO: Mud, Object Oriented), a WWW (World Wide Web), o uso dos aspectos tipográficos e de design da textualidade, o grande uso do hipertexto, e assim por diante. Isso se amplia à medida que a largura de banda (bandwidth) aumenta, quando o audio-visual passa a fazer parte desse texto codificado, ampliando o uso dessa linguagem (agora mais do que) visual.
 
            O autor trabalha a sua idéia a partir do sistema controlado de um computador, ligado a uma tela do monitor, teclado e mouse: essas partes são escaneadas visualmente na tela, lidas silenciosamente e interagidas através do teclado e do mouse.
 
            Essa "nova literatura não será a "literatura do computador". Há uma confusão popular recorrente a respeito da natureza do computador. Ele não é em si mesmo nem um meio, nem um meio físico ou de envio (comunicação), nem um depósito de conteúdo, nem um meio artístico ou cultural. O que nós comodamentechamamos de computador é sempre um sistema de hardware, software e periféricos, e esta multiplicidade é o que pode se tornar, potencialmente, um meio; potencialmente porque é discutível que deve haver acordo entre o produtor/consumidores sobre o uso do novo meio antes que ele seja considerado como tal. Dessa forma, as conexões interligadas do hipertexto, especialmente as realizadas nas redes de computadores, são rapidamente as novas mídias textuais em evolução, conseguindo ampla aceitação. Contudo, a "poesia do computador" não é uma nova mídia, é simplesmente uma designação incorreta. Não é nem uma questão trivial de terminologia. É importante deixar claro que os desenvolvimentos em cibertexto não estão condicionados às próprias tecnologias de hardware, eles estão limitados apenas aos softwares, que são meios de envio autorizado." (idem: 168).
 
            O autor, que é poeta e tradutor de poesia chinesa, fez suas primeiras experiências poéticas com computador em 1970, com máquinas de modulação poética, textos manipuláveis e gerados por máquinas. Sua produção envolveu várias técnicas de produção de textos ao acaso: experiências com texto em desordem em diferentes níveis lingüísticos (sentenças, frases, sílabas, grafemas, etc.) e comparação dos resultados. No presente artigo, vários são os exemplos: Scoring the Spelt Air, Indra's Net, Moods and the Conjunctions, Golden Lion, Leaving the City, etc.

            Para John Cayley, o poeta deverá "ser julgado algum dia como um engenheiro de software, um criador de formas que manipulam a linguagem que é seu capital de negócios / comércio nos novos caminhos." (idem: 168)
 
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            EDUARDO KAC - HOLOPOESIA - Kac, editor convidado da antologia, faz um síntese das idéias dos teóricos e artistas da coletânea (Kac 1996: 98-101), conceitua e exemplifica a holopoesia (idem: 184-212) e mapea uma web bibliografia sobre a poesia das novas mídias (idem: 234-237): fontes de poesia e de hipertexto, sites de poetas e história da poesia das novas mídias.
 
            O autor, que inventou a holopoesia em 1983, define o holopoema como 
 

"um poema concebido, feito e desenvolvido holograficamente. Isso significa, primeiro de tudo, que tal poema é organizado não-linearmente num espaço imaterial tridimensional e que mesmo como o leitor ou espectador o observa, ele se modifica e origina novos significados. Assim como o espectador lê o poema no espaço - isto é, move-se em direção ao holograma - ele/ela modifica o texto. Um holopoema é um evento espaço-temporal: evoca processos de pensamento e não seus resultados." (idem: 186).

 
           Não é um poema composto em linhas de verso e construído no holograma, nem é um poema concreto ou visual adaptado à holografia. É uma forma de libertar as palavras da página, que conduz à leitura em silêncio e expressa a descontinuidade do pensamento. Trata-se da criação de uma nova sintaxe, a exploração da mobilidade, não-linearidade, interatividade, fluidez, descontinuidade e o comportamento dinâmico somente possível no espaço-tempo holográfico.
 
            Com o uso da luz e da cor num espaço imaterial, é possível, através da luz direta do laser e a luz laser refletida por um objeto, obter a informação visual e espacial do objeto. É o domínio total da luz, na imaterialidade e na focalização das imagens no espaço. Os elementos composicionais trabalhados por Kac são: pseudoscópio, descontinuidade, compressão espacial, animação integral, instabilidade colorida e síntese digital de espaços impossíveis.
 

            "A percepção de um holopoema não se dá linearmente nem simultaneamente, mas de preferência através de fragmentos vistos pelo observador de acordo com decisões tomadas, dependendo de sua posição em relação ao poema. Percepção no espaço de cores, volumes, graus de transparência, mudanças de forma, posições relativas de letras e palavras, e a aparência e inaparência de formas é inseparável da percepção sintática e semântica do texto." (idem: 187)

 
            A holopoesia 
 

"pertence à tradição da poesia experimental, mas trata a palavra como forma imaterial, isto é, um signo que pode mudar ou dissolver-se no ar, quebrando sua própria dureza. Livre da página e de outros materiais palpáveis, a palavra invade o espaço do leitor e força-o a ler de uma maneira dinâmica; o leitor precisa mover-se ao redor do texto e descobrir significados e conexões que as palavras estabelecem no espaço vazio."(idem: 189).

 
            A respeito de suas holopoesias, Kac afirma: 
 

"A linguagem desempenha um papel fundamental na constituição de nosso mundo experiencial. Questionar a estrutura da linguagem é investigar como as realidades são construídas. (...) A organização temporal e rítmica dos holotextos desempenha um importante papel na criação dessa tensão entre a linguagem visual e as imagens verbais. A maioria dos holopoemas que eu criei entre 1983 e 1993 tratam do tempo como não-linear (isto é, descontínuo) e reversível (isto é, espalhando em várias direções), de tal maneira que o observador/leitor pode mover-se para cima e para baixo, para trás e para frente, da esquerda para a direita, em qualquer velocidades e ainda é capaz de estabelecer associações entre palavras presentes no campo perceptual efêmero." (idem: 190)

 
            No artigo, o autor exemplifica e comenta Holo/Olho, Abracadabra, Oco, Zyx, Chaos, Word/Nº 1, Words/Nº 2, entre outros.
 
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            ERIC VOS - A NOVA POESIA DAS MÍDIAS: TEORIA E ESTRATÉGIAS - O texto de Vos (1996: 226-233) sustenta que a poesia das novas mídias afeta as convenções verbais e poéticas, particularmente quanto à constituição dos textos e os papéis de autor e leitor, bem como nossos pontos de vista sobre a linguagem. A força inovadora da new media poetry não se encontra apenas nos seus canais comunicativos (computadores, vídeo, holografia), mas na exploração de suas ramificações para os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos da comunicação verbal/poética em geral.
 
            O autor ilustra a sua teoria com obras de Rosenberg, Kac, Bootz, Melo e Castro e Burgaud para sustentar a sua teoria e estratégias de escrita nas novas mídias. Eric Vos enfatiza que essa nova poesia não é apenas a poesia está nos ambientes dos novos meios de comunicação e de informação, mas, sim, é a poesia inovadora que é criada, experienciada, surge e se utiliza desses novos meios, e que não pode ser experienciada em outros. Essa new media poetry pode ser denominada de poesia virtual, dinâmica, interativa e imaterial.
 
            As bases teóricas das novas mídias e da nova poesia das mídias podem ser resumidas da seguinte maneira: a transformação do espaço da escrita (não se trata da página impressa, do formato de códice, tábuas de barro ou rolos de papiros, todas diferentes entre si), os recursos do hipertexto (multiplicidade de perspectiva, variabilidade de estruturas e vocabulário de linguagem, incluindo a extensão da idéia de linguagem com elementos não lingüísticos, etc.), a inter-relação entre texto e espaço, a interdependência mútua e a responsabilidade compartilhada entre leitor e poeta, a exploração da inter-relação entre os fatores constitutivos do campo de comunicação poética, o papel dos traços singulares das novas mídias, a reconsideração das convenções que inevitavelmente surgem dessas explorações.
 
            Outro aspecto a ser ressaltado é que 
 

"a imaterialidade das poemas das novas mídias verdadeiramente transformam o campo da comunicação poética. Há duas razões principais para isso. Primeira, as condições para tal exploração predominante nos espaços das escritas virtuais são inválidas para o ambiente impresso, ou são válidas somente para uma extensão muito limitada. O emprego dessas condições alcança uma reavaliação de todas as convenções potencialmente ao nível do signo de construção. Conseqüentemente, novas inter-relações entre os aspectos acima mencionados da comunicação poética aparecem. Segunda, ao responder ao novo poema da mídias, o leitor contudo não pode apenas engajar-se numa reavaliação similar. Em sua imaterialidade, as explorações da poesia das novas mídias podem então oferecer uma perspectiva nova de linguagem ela mesma e, ultimamente, e em nosso comportamento verbal." (idem: 222)

 
            Nos autores da presente coletânea (Rosenberg, Kac, Melo e Castro) os textos poéticos serão dotados de traços (a variabilidade e a mudança) que são exclusivos para os ambientes virtuais nos quais eles são escritos e lidos: leitor tem descobrir seu caminho textual nos hipertextos de Rosenberg, deve encontrar o tempo e manipulá-lo nos videopoemas de Melo e Castro e Kac, bem como nos poemas animados de Jean-Marie Dutey, Patrick Henri Burgaud, Tibor Papp, Philippe Bootz.
 
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            O termo poesia das novas mídias (new media poetry) abrange os diferentes sentidos dados pelos oito autores dessa antologia, e isso representa diferentes maneiras individuais de abordar o fenômeno estético contemporâneo: as simultaneidades de Rosenberg, o texto multimídia de Vallias, a holopoesia e poesia digital de Kac, o cibertexto de Cayley, a leitura singular de Bootz, a virtualidade de Györi e a videopoesia de Melo e Castro, tudo isso numa ordenada introdução de Eduardo Kac e enfeixada por uma análise geral e concatenada de Eric Vos.
 
            Na análise panorâmica de Eduardo Kac, essa 
 

"nossa poesia das mídias insere-se no campo das poéticas experimentais, ao mesmo tempo em que se distancia das conquistas formais de outros grupos ou movimentos do século XX. Das aproximações racionais ou não-racionais das movimentos de vanguarda da primeira metade do século (incluindo futurismo, cubismo, construtivismo, dadaísmo e letrismo) até as direções com base em material impresso da segunda metade (incluindo espacialismo, concretismo, L=A=N=G=U=A=G=E, beat, poesia visual, fluxus, e poema-processo), as poéticas experimentais têm visto uma implacável exploração do signo verbal no "código do espaço" (codexspace), para usar um termo introduzido por John Cayley" (Kac 1996: 98).

 
 
            Visible Language 30.2 traz o mérito de colecionar opiniões de autores de diferentes países para mostrar a estruturação teórico-prática de um movimento estético que vem se formando paulatinamente como uma espécie de escola poética internacional.
 
            Um dos aspectos básicos e fundamentais da coletânea reside na impossibilidade de exemplificar os artigos com as poesias, que "resistem" à forma impressa, pois estão armazenadas nos discos flexíveis (floppy disk) e rígidos (HD), CDs, CD-ROMs, DVDs, SuperCDs, discos óptico-magnéticos, teipes e filmes holográficos, e só nesses meios é que essas poesias podem ser "vistas", "lidas", "fruídas", "acessadas", à semelhança de filmes, vídeos, televisão, etc. Aí reside a síntese fundamental do conceito de new media poetry, a poesia que se concretiza através dos meios de comunicação atualmente existentes.
 
            É claro que podemos recortar parte dessas poesias e mostrá-las em forma impressa, para dar ao leitor uma noção de como ela é, e é isso o que o número de Visible Language faz, ao longo dos textos. Mas a obra como um todo, pelas suas características especiais (hipertextualidade, interatividade e interfaces), só pode ser acessada fragmentária ou integralmente por meio de um aparelho eletro-eletrônico-digital.
 
 
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NOTA
 
(1) Trata-se de um excerto de um texto de Mallarmé, datado de 1869, parte de um tratado de lingüística não concluído.
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BIBLIOGRAFIA
 
          Cada artigo de Visible Language 30.2 tem farta referência bibliográfica. Para que o leitor pudesse ter um bom panorama a partir desta resenha, um número razoável de referências bibliográficas (impressas e on-line) foi acrescentado, permitindo, assim, situar os autores e suas obras teóricas ou práticas.
 
BOOTZ, Philippe.
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     1999 - Oeuvres procédurales. http://www.unige.ch/acultu/archives/ac98/9mar99.html
 
BURGAUD, Patrick Henri (2000). The house of the small languages. Holanda. In: http://www.burgaud.org
 
CASTRO, E. M. de Melo e.
            1988 - Poética dos meios e arte high tech. Lisboa, Vega.
     1996 - Finitos mais finitos: ficção/ficções. Lisboa, Hugin.
     1996a - Videopoetry, in AAVV. New Media Poetry: Poetic Innovation and New Technologies. Visible Language 30.2 (revista). Providence, Rhode Island, Rhode Island School of Design, January / September 1996, p.138-149.
     1996b - The cryptic eye. In JACKSON, K. D. et al (ed.), Experimental-visual-concrete avant-gard poetry since the 1960s: critical studies. Amsterdam / Atlanta, GA, Yale University, Rodopi.
     1998 - Algorritmos: infopoemas. SP, Musa (Musa infopoesia 1).
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     1998b - Humanizar o humano. In: Revista da Biblioteca Mário de Andrade, SP, Secretaria Municipal de Cultura, v.56, jan .dez. 1998, p.21-27.
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Jorge Luiz Antônio é doutorando em Comunicação e Semiótica (pesquisa sobre poesia digital) na PUC-SP, faz pesquisa sobre poesia digital.


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