Originalmente publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,Caderno B, p. 4, 1.12.1986.
Inteligência e High Tech
Reynaldo Roels Jr.
Bem no coração de Copacabana, a três quadras dapraia banhada pelo sol de verão, encontra-se montado o primeiroláboratório de holografia do Rio de Janeiro. Parece anúncioimobiliário mas não é, apesar de o laboratóriotambém ter finalidades comerciais. O seu proprietário, EduardoKac, o utiliza para criar hologramas que são obras de arte. Desde1983, Kac vem pesquisando o que ele batizou de holopoesia, uma sínteseentre a imagem e a palavra, trabalho pioneiro no Brasil de três anosatrás e que foi mostrado pela primeira vez no ano passado, em umaexposiçao em São Paulo depois trazida para o Parque Lageno Rio com o título Holopoesia. Hoje, às 18h30min Kac inauguraHolopoesia 2, na Galeria Espaço Alternativo da Funarte.
Para quem ainda não sabe, holografia é um processo defixação da imagem em três dimensões muito maissofisticado do que o tradicional 3D. A técnica é complexae utiliza recursos de ponta, como o raio laser. Devido à extremaprecisão dos instrumentos e à delicadeza de seu funcionamento,um laboratório de holografia recebe cuidados que quase lembram aficção científica. O mais impressionante éa mesa de trabalho, em concreto (quanto mais pesada melhor), isolada dochão por um sistema de amortecimento que inclui até camarasde ar para impedir vibrações. Ainda assim, Kac sótrabalha de madrugada, quando o movimento de veículos diminui ehá menor risco de trepidação.
Na exposição do ano passado, Kac mostrou cinco holopoemasem parceria com Fernando Catta-Preta, hológrafo paulista. Eram Abracadabra(em duas versões, uma delas premiada no 8° Salão Nacionalde Artes Plásticas), Holo/Olho, ZYX e Oco. Agora, na segunda exposiçãoele mostra apenas trabalhos seus, ainda inéditos: Wordsl 1, Wordsl2, e Chaos. Os três foram realizados no Museu de Holografia de NovaIorque (que já tem um de seus holopoemas no acervo) e continuama pesquisa com imagens e palavras. Ele também incorpora elementoscom os quais as artes plásticas estão pouco familiarizadas,teorias científicas que Eduardo faz intervirem na própriaconcepção do trabalho, como a teoria do caos, de MitchellFeigenbaum, um físico americano que estuda o "comportamentotendencial dos fenômenos ao passar da ordem para o caos", comoexplica Kac.
-- Toda arte de vanguarda institui um conhecimento -- afirma ele. --É claro que não no mesmo nível da ciência. Masa arte torna evidentes certas questões que os cientistas trabalhamnos laboratórios. E é isto que pretendo com meu trabalho,tornar explícitas certas dúvidas que são tambémobjeto da ciência.
Kac não está sozinho em sua opinião, e sãoconhecidas as relações entre o cubismo e a topologia, porexemplo. Para Kac, Cézanne trabalhou diversos elementos que estãopresentes na imagem holográfica, e Picasso, se tivesse nascido hoje,tambem o faria. A teoria do caos de Feigenbaum foi empregada por Kac emChaos, uma peça que se afasta bastante de todas as que ele fez ateagora. Em vez dos sóbrios e discretos hologramas, ele tentou umdiálogo entre a holografia e o neon, criando uma peça cinéticaque "é até bonita".
-- É um trabalho que gostei de fazer. mas não pretendocontinuar -- confessa ele. -- Foi só uma experiência, e nãoum novo caminho.
As outras peças são holopoemas que confirmam o que o públicoestá acostumado a esperar de seu trabalho. Em Wordsl 1 e Wordsl2, ele mistura as palavras Words e Worlds, "fusão sópossível em inglês, única língua em que eu poderiacriar essa imagem de mundo como signo", segundo ele.
Amantes da arte high tech, em particular, e amantes da arte em geralmas que não tenham preconceitos pelo incomum não percam!É um raro momento de inteligência em uma linha que costumanão ir muito além do deslumbramento pelos recursos tecnológicos.
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