Jornal da Tarde, São Paulo, Domingo, 7 de abril de 2002.
Brasileiro diz ser o 1º 'implantado'
O artista plástico Eduardo Kac implantou no tornozelo esquerdo um chip usado para identificar animais domésticos perdidos
Incentivar a reflexão sobre as fronteiras entre o biológico e o material.
Esse foi o objetivo que levou o artista plástico carioca Eduardo Kac, de 39 anos, a implantar no tornozelo direito um chip usado nos EUA para identificar animais domésticos. "Minha intenção não era tecnológica, mas simbólica", disse.
Apesar de Kac morar em Chicago, a operação aconteceu em plena Casa das Rosas, em São Paulo, em 1997. "Fui o primeiro do mundo a ter um chip implantado no corpo", diz.
O implante foi transformado em uma performance artística - batizada de "Time Capsule". Ele mesmo introduziu o chip, com a supervisão de um médico, rodeado por reproduções gigantes de fotos da avó ainda jovem. "Queria confrontar uma memória natural com outra que você adquire artificialmente".
O local do implante também não foi escolhido por acaso: o tornozelo era o local por onde os escravos eram algemados. "A tecnologia pode ser tanto libertadora quanto controladora".
Depois da operação, leu com um scanner o número guardado no chip e fez a sua ficha no cadastro de animais domésticos, pela internet. "Me registrei como animal e como dono. Vou levar o chip para baixo da terra comigo".
A era dos ciborgues começa aqui
Leia as frases com atenção e tente descobrir: quais são verdadeiras e quais são falsas?
1. Um cirurgião americano implantou em seu corpo chips que dão acesso a um cadastro com todas as suas informações pessoais.
2. Outro americano implantou um chip no cérebro, onde guarda informações importantes sobre a empresa em que trabalha.
3. Um canadense acoplou um computador ao corpo que "censura" o que ele não quer ver e projeta em sua retina imagens agradáveis.
4. Outro canadense acoplou um equipamento ao corpo que o leva para dentro de um jogo de videogame, em uma realidade virtual.
Todas parecem filmes de ficção científica? De fato, a segunda e a quarta frases têm como inspiração os filmes "Johnny Mnemonic" (95), de Robert Longo, e "Existenz" (99), do canadense David Cronemberg. As outras duas, porém, são pura realidade - e estão mais perto de se tornar parte da sua vida do que você poderia imaginar.
Nesta semana, o Grupo Nordeste Segurança, que atua na área de segurança patrimonial, deve fechar um negócio com a empresa americana Applied Digital Solutions (ADS) para distribuir em nove estados do Nordeste o Verichip - um microchip que será vendido em shopping center e pode ser implantado no seu usuário em menos de um minuto.
Se antes os "homens ciborgues" estavam restritos ao imaginário popular, agora será possível se tornar um deles em uma simples ida às compras.
Embalado por uma cápsula de vidro de cerca de um centímetro, o chip armazena um número que é exclusivo do seu usuário e que pode ser lido com um scanner.
"Ele fica entre a pele e o músculo e pode ser implantado por qualquer médico com uma anestesia local", diz Richard Seelig, cirurgião da equipe que criou o chip - e que tem dois implantados no corpo.
Os usos que ele pode ganhar são ilimitados. Na prática, o chip funciona como um documento de identidade eletrônico. Nos EUA, a preocupação era criar um número que pudesse ser usado em um banco de dados para acessar o histórico médico do paciente e diminuir a chance de erros médicos.
Depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, o foco mudou. "Descobrimos que seria preciso um sistema para identificar as pessoas. Saber, por exemplo, quem são os passageiros que estão embarcando em um avião", diz Seelig.
Por aqui, o chip foi anunciado como a salvação para acabar com os casos de seqüestro. A idéia é que eles sejam monitorados por satélites, que dariam a localização exata do seu dono. O equipamento transformaria em pequenos "Big Brothers" aqueles que pudessem acessar os dados de localização. "Uma mãe poderia saber exatamente o caminho que a filha está fazendo", diz Sérgio Aguiar, presidente da ASA Enterprises, que representa o Grupo Nordeste Segurança.
Rastreador existe em tamanho maior
Por enquanto, porém, o rastreamento está restrito ao Digital Angel, um aparelho fabricado pela ADS que tem o tamanho de um relógio e também será vendido pelo Grupo. "Como ele precisa de uma bateria, ainda não tem o tamanho de um chip", diz Aguiar. A ADS, porém, promete se apressar para desenvolver o rastreador em miniatura, mas ainda não tem prazo para lançamento do produto.
Enquanto isso não acontece, ele pode ser adaptado para que os portadores possam interagir com o ambiente. Em empresas, por exemplo, os leitores de crachás com tarjas magnéticas poderiam ser substituídos pelos scanners. "No caso de presidiários, sensores poderiam alertar quando eles acessassem áreas proibidas", diz Aguiar.
O professor Kevin Warwick, da Universidade de Reading, na Inglaterra, implantou, em 1998, um chip no antebraço semelhante ao Verichip e instalou sensores pelo prédio onde trabalhava. Quando o sistema inteligente detectava a sua chegada, fazia com que as luzes se acendessem e avisava se ele tinha novos e-mails.
Warwick é um dos homens ciborgues que começam a pipocar pelo planeta. No mês passado, conectou um chip às fibras nervosas que é capaz de provocar sensações. Mas ele não é o único. No Canadá, o professor Steve Mann, da Universidade de Toronto, criou um computador que pode ser acoplado ao corpo.
E até um artista plástico brasileiro que vive em Chicago implantou um chip no tornozelo.
O marco zero da era dos ciborgues, porém, deve ser mesmo por aqui. Como nos EUA o implante só foi liberado na quinta-feira pela Food and Drug Administration (FDA), a agência de saúde dos americanos, o Brasil vai levar junto o título de 1.º país do mundo onde o artigo tecnológico estará à venda.
Nos EUA, já existe uma lista de 2500 pessoas que esperam para implantar o chip - que custará US$ 200. Aqui, os investidores garantem que a procura já está grande. "Vai ser uma corrida", diz Aguiar.
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