Eduardo Kac : Entrevista a Ricardo Basbaum
Agora: Como você relaciona 'arte, ciência e tecnologia' e 'arte contemporânea'?
Eduardo Kac: Quase todos os artistas utilizam ciência e tecnologia de um modo ou de outro. A fabricação industrial de lápis, iniciada no final do século dezoito, foi um avanço tecnológico significativo. Tecnologia é também empregada na fabricação de pincéis, telas e tintas: a paleta impressionista, por exemplo, não teria sido possível sem os avanços da Química. Uma das grandes diferenças entre a tecnologia da pintura e as tecnologias que emprego em meu trabalho (holografia, computadores, robótica, engenharia genética, internet, etc) é que as velhas tecnologias são agora estáveis e foram assimiladas socialmente, enquanto que as novas tecnologias permanecem num estado constante de mudança e não são ainda familiares para grande parte da população. As tecnologias contemporâneas manifestam um impacto profundo em nossas vidas, enquanto que, comparativamente, a pintura não mais produz por si nenhuma conseqüência social significativa. Considero que para questionar e criticar diversos aspectos da experiência contemporânea devo fazê-lo de dentro da paisagem mediática. Vejo a arte como mais próxima do espírito inquiridor da filosofia, e esforço-me em modular a tecnologia para explorar alternativas aos contextos sociais limitados de hoje. Utilizo a tecnologia para desenvolver estratégias que privilegiem experiências democráticas, interações colaborativas e a liberdade de escolha. Estamos testemunhando uma mudança de paradigma nas artes, em que uma abordagem auto-centrada é substituída por situações dialógicas. A medida que as pessoas exploram as possibilidades, também as expandem, e neste processo são responsáveis por suas próprias experiências. Combinei as noções de evento, performance e instalação em algo novo, incorporando outros elementos, como a telerobótica. É por isso que utilizo palavras como "telepresença", "biotelemática", "arte transgênica". Novos conceitos exigem um novo vocabulário.
A: Quais você considera as questões decisivas para a arte atual?
EK: Agora que a revolução digital completou sua fase fundamental, a nova fronteira de investigação devido a seu forte impacto social é a biotecnologia, em geral, e a engenharia genética, em particular.
A: Seu trabalho sempre foi bastante ligado à renovação e ampliação dos limites do poema. Qual o lugar da palavra hoje, frente aos novos meios e às novas tecnologias?
EK: A biotecnologia também abre um novo domínio de experimentação lingüística. Meu trabalho de arte transgênica "Genesis", em exposição no itaú Cultural, em São Paulo, é um bom exemplo. "Genesis" (1998/99) explora o intrincado relacionamento entre biologia, sistemas de crenças, tecnologia da informação, interação dialógica, ética e a internet. O elemento-chave do trabalho é um "gene de artista", isto é, um gene sintético inventado por mim e que não existe na natureza. Este gene foi criado a partir da tradução, para o código Morse, de uma sentença do livro bíblico do Gênesis, e da conversão do código Morse em pares de bases de DNA, de acordo com um princípio de conversão especialmente desenvolvido para este trabalho. A sentença diz: "Let man have dominion over the fish of the sea, and over the fowl of the air, and over every living thing that moves upon the earth." (Gênesis 1, 28) ["Que o homem tenha domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os seres vivos que se movem na terra"] Sua escolha deveu-se às implicações acerca da dúbia noção (sancionada por Deus) da supremacia humana sobre a natureza. O código Morse, inicialmente empregado em radiotelegrafia, foi escolhido por representar a aurora da era da informação a gênese da comunicação global. O gene Gênesis foi incorporado em bactérias, que são exibidas na galeria. Os participantes na rede podem acender uma luz ultravioleta na galeria, causando assim mutação biológica real nas bactérias, provocando a mudança da sentença bíblica, nelas inserida. Depois da exposição, o DNA das bactérias foi lido novamente em código Morse, traduzido para o inglês e enviado para meu web site. Dizia: "LET AAN HAVE DOMINION OVER THE FISH OF THE SEA AND OVER THE FOWL OF THE AIR AND OVER EVERY LIVING THING THAT IOVES UA EON THE EARTH". Duas mudanças particularmente interessantes foram MAN para ANN (evocando um nome feminino) e a aparição de uma palavra nova, EON, que significa "período de tempo indefinidamente longo".
A: Você já mora e trabalha há alguns anos nos EUA. Como se dá em seu trabalho uma relação com a cultura brasileira?
EK: Sem dúvida, depois de viver por mais de 20 anos no Brasil, eu certamente estou ligado a aspectos da cultura brasileira. Entretanto, também tenho outras raízes (diferentes das brasileiras) e muitas outras influências culturais que talvez tenha adotado por obra do acaso. Crescer no Rio de Janeiro foi uma experiência particularmente interessante e enriquecedora, apesar da ditadura militar. Ultimamente, entretanto, não estou interessado em preservar noções de fronteiras nacionais ou em trancar-me numa única posição enquanto sujeito. Não tenho desejo de negociar ações de identidade na bolsa de valores global das políticas de representação. Meu trabalho oferece uma intervenção direta em contextos sociais, sempre com um entendimento de que as posições de sujeito são fluidas e sua construção fixa um lugar de poder. Tenho trabalhado amplamente com meios de telecomunicação para interligar distâncias geográficas e culturais e combater noções rígidas do eu, enfatizando a interação dialógica e a identidade como um espaço "entre", de articulação mútua.
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Eduardo Kac é artista e escritor que investiga as dimensões filosóficas e políticas dos processos de comunicação. Seu trabalho já foi exposto em diversos países, em centros como InterCommunication Center (ICC), de Tóquio e eventos como Ars Electronica, em Linz, Austria. É professor-assistente de Arte e Tecnologia do Art Institute de Chicago, EUA, cidade onde vive e trabalha. Uma completa documentação de seus trabalhos e textos pode ser encontrada em <http://www.ekac.org>.
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