De Onde Viemos? Quem Somos? Para Onde Vamos? As perguntas merecem ser refeitas cem anos depois de servirem como título para o quadro mais famoso de Paul Gauguin, pois suas respostas estão mudando completamente enquanto o homem brinca de ser Deus na engenharia genética, que já pode ser vista como a nova fronteira alcançada pela arte. A partir de trabalhos como os do brasileiro Eduardo Kac, que em 2002 fez nascer em laboratório um coelho com pêlos florescentes, artistas passam do estágio da representação de idéias para o da criação e manipulação da vida.
Na última semana, Kac apresentou sua próxima criação frankesteniana, uma planta cujas folhas podem ser desenhadas antes que ela cresça. Manipulando os genes do vegetal antes de plantar a semente na terra, ele vai levar à próxima Bienal de São Paulo uma criatura com folhagens espiraladas, esculpindo um ser vivo sem tocá-lo, antes que ele nasça. A obra talvez não receba tanta repressão dos ecologistas e religiosos como aconteceu com a coelhinha Alaba, que terminou sendo apreendida, mas representa mais um passo na arte biológica e transgênica, uma linguagem diferente de tudo o que vinha sendo feito até agora, com conseqüências filosóficas para a humanidade. Como o atormentado, porém fictício, doutor Frankenstein, mas com intenções diferentes, o artista está criando seres que não existem na natureza.
Kac concedeu entrevista ao DIARIO após palestra no simpósio Emoção Art.ficial, realizado em São Paulo. Na ocasião, o próprio artista traçou um panorama da História da arte biológica, lembrando que a invenção de novas formas de vida já havia sido testada artisticamente em 1936, quando o fotógrafo Edward Steichen criou novos tipos de flores fazendo o cruzamento entre o pólen de diferentes tipos da flor delfinium. As sementes dessas flores, hoje em dia à venda na internet, são obras de arte que podem ser plantadas e por isso, apesar de nascerem e morrerem, duram mais que qualquer pintura.
Trabalhos como o de Kac, no entanto, permitem possibilidades inimagináveis e futuras mutações que podem assustar, além de carregarem ligação com a tecnologia digital, essencial para a engenharia genética atual, como no caso do mapeamento do genoma. Na ficção, um exemplo famoso que antecipou esse tipo de combinação entre vida e técnica é o do vendedor de órgãos do filme Blade Runner, que conseguia criar e cultivar tecidos orgânicos para serem usados pelos andróides replicantes.
Segundo a pesquisadora argentina Paula Sibilia, que também participou do simpósio, a humanidade já pode começar a se preparar para se acostumar com o que seria um "design biológico", que representaria o fim do controle exclusivo da natureza sobre as formas de vida. Aplicadas na arte, as tecnologias genéticas desempenham um papel científico semelhante ao da filosofia, servindo mais como metáforas que vão delimitar simbolicamente os marcos históricos. Já existem artistas trabalhando com células e átomos. O inglês Roy Scott, que também participou do simpósio, fala sobre tecnologias que permitem a manipulação de estruturas físicas nanométricas, invisíveis por serem um milhão de vezes menores que um metro.
Experiências como um rato com orelhas nas costas e outro gerado por duas mães, sem um pai, que futuramente podem ser aplicadas nos seres humanos, sugerem que a tecnologia, mais do que transformar as relações sociais (como já estão fazendo), podem interferir na evolução das espécies. "Elas aos poucos vão reorganizar o genoma humano", avisa Kac, que procura, com sua arte, provocar discussões que estimulem a aceitação pacífica e amadurecida da sociedade perante essas descobertas. Ele não quer chocar ou brincar de ser Deus (como Frankestein), mas provocar uma discussão social equilibrada. "Enquanto ecologistas protestam contra os alimentos transgênicos, cientistas do Projeto Genoma já descobriram que o homem teve seus genes alterados ao longo dos séculos por causa da interferência de vírus e bactérias. Nós, humanos, sempre fomos transgênicos".
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