Menconi, Darlene. "A Gênese como Inspiração". Isto É, 16 Abril 2003, N. 1750 - Brazil), p. 72.
A gênese como inspiração
Darlene Menconi
Eduardo Kac ainda briga para libertar Alba (à esq.), sua coelha transgênica que fica verde ao brilho da luz A celebração do meio século da descoberta do DNA se estende por vários campos, entre eles, o artístico. Pelo menos seis exposições de arte em Nova York exibem obras e instalações cujo tema gira em torno da identidade humana confrontada pela engenharia genética. Trinta e três artistas internacionais estão reunidos na mostra Quão humano: a vida na era pós-genoma, no Centro Internacional de Fotografia, em Nova York. Aberta até 25 de maio, a exposição mostra como artistas e fotógrafos reagem às inovações da biotecnologia. Assunto não falta: desde alimentos transgênicos até embriões humanos, passando pelos clones, cobaias e envelhecimento. E, claro, a famosa ovelha Dolly, o primeiro animal clonado a partir de uma célula adulta.
Um dos principais nomes da arte de vanguarda internacional, o artista brasileiro Eduardo Kac já levantou celeuma ao misturar arte e biotecnologia. Em uma de suas obras, o professor da Universidade de Chicago extraiu do livro bíblico Gênesis um trecho que usou para dar origem ao código genético das bactérias que compõem seu trabalho. A partir da frase que reza que o ser humano deve exercer seu domínio sobre as demais criaturas da Terra, Kac converteu cada letra do alfabeto, em inglês, em sinais do Código Morse. Em seguida, ele as traduziu para informações genéticas. Assim, a frase se transformou numa sequência de DNA com suas respectivas letras químicas A, T, C e G.
Kac também causou alvoroço ao dar vida à coelha Alba, um animal fluorescente que fica esverdeado toda vez que a luz incide sobre ele. A coelha recebeu um trecho do código genético de uma medusa, que naturalmente brilha à luz. Alba foi geneticamente modificada pela equipe do biólogo francês Louis-Marie Houdebine sob encomenda do artista brasileiro. Como levantou uma gritaria ética, o animal modificado por motivação artística e estética foi confiscado e jamais chegou a conhecer a casa de seu dono, em Chicago. A obra de arte não é exatamente a coelhinha transgênica, mas a relação dela com o espaço social. Mesmo que consiga a liberdade de sua coelha verde, Kac não vai parar por aí. Seu objetivo é acirrar o debate em torno da engenharia genética, que na ciência é usada para assinalar as diferenças. Por ironia, é ela também quem evidencia as semelhanças entre os seres, todos eles feitos à base da mesma receita, o DNA.
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