Uma nova genética para a arte
Eduardo Kac usa genes para discutir relação entre ser vivo e tecnologia
Caroline Menezes
As fotos de uma coelhinha verde espalhadas por todo o Rio de Janeiro fazem parte do ousado projeto do artista plástico carioca Eduardo Kac, 42 anos. Através da inserção de um gene em uma célula reprodutiva de coelha que, após o nascimento, a deixa sensível a determinadas luzes, o artista desenvolveu um projeto inovador, intitulado GFP bunny, que torna seu pêlo esverdeado e fluorescente. A experiência genética foi realizada em um laboratório francês, a pedido de Kac, que diz que o animal goza de saúde.
GFP bunny trouxe um conceito inédito para o cenário artístico. Segundo Kac, agora é possível chamar de obra de arte até mesmo a geração programada de um ser vivo. Além de participar da 26 ª Bienal, em cartaz em São Paulo, Kac que mora em Chicago (EUA), onde é professor do Chicago Art Institute, mostra sua obra na galeria Laura Marsiaj, em Ipanema, na exposição Rabbit remix, aberta até 23 de outubro.
De fato, a criação de um mamífero para fins artísticos é novidade na história da arte. Mas, o que instiga Kac não é a tecnologia que envolveu o feito, e sim suas implicações. Para ele, a arte sempre se preocupou com a criação de objetos, mas é a primeira vez que se ocupa da produção de uma forma de vida. Embora GFP bunny tenha sido recebida com estranheza, Kac acredita que, a exemplo de todos os movimentos precursores, isso se tornará comum.
- Você não pode tratar um sujeito como trata um objeto. Falar sobre esta questão é refletir, o que também é parte importante do projeto. O desenvolvimento de seres vivos estará integrado ao processo artístico no futuro - comenta ele.
No seu caso, Kac ainda não conseguiu satisfazer a vontade de ser responsável pela vida que criou. Em 2000, o laboratório contratado para produzir a coelha, temendo uma repercussão negativa, impediu que seu dono a levasse para exposições. A censura gerou escândalo em Paris, e Kac até hoje só pode mostrar sua obra através de fotos e desenhos.
- Passei os 10 dias mais intensos da minha vida numa campanha febril. Fui a debates na TV com padres e cientistas, discutindo aspectos éticos, estéticos e políticos do projeto. Dei conferências na Sorbonne e coloquei cartazes na rua. Desde então mantenho a obra na memória das pessoas, com o uso de espaços públicos, como fiz no Rio de Janeiro.
Kac diz querer mobilizar a opinião pública. Com imagens da coelha em relógios e postes, o artista acabou despertando trabalhos escolares infantis e ensaios de filósofos sobre a questão entre genética e arte.
Mas a coelha não é a única obra polêmica de Kac. Move 36, exposta na Bienal, é um grande tabuleiro de xadrez que reproduz a famosa partida em que o campeão Kasparov perdeu para o supercomputador Deep Blue, em 1997. No lugar do xeque-mate, encontra-se uma planta transgênica, com um gene sintético criado a partir da tradução da frase célebre de Descartes, Cogito ergo sum (penso, logo existo), transformada em código binário e nas quatro bases genéticas. Em Gênesis, o artista verte um dos versículos da Bíblia para o código morse que, depois, é convertido em código genético, que, por sua vez, é incorporado a uma bactéria, que pode ser vista pela internet (www.ekac.org).
Obras como essas fizeram sua produção ganhar visibilidade, mais pela aproximação com questões científicas do que artísticas. Mesmo entendendo a curiosidade em torno dos processos biológicos, Kac discorda que seu trabalho faz a arte se aproximar da ciência.
- O interesse nas experiências de laboratório é das pessoas, e não meu. Normalmente se chama de ciência o que não se conhece bem. A televisão, que nos anos 20 era ciência, se popularizou e passou a ser um eletrodoméstico. Meu trabalho visa criar novas maneiras de pensar que, daqui a algumas décadas, farão parte do nosso universo sensível. As obras não são um comentário da contemporaneidade, estão inseridas no processo de modificá-la - explica.
O artista considera que o uso da genética é uma decorrência natural de seu tempo. É um recurso para a poética de sua produção que implica falar sobre as fronteiras entre o homem e o animal e a conexão do indivíduo com uma rede global.
- Não ilustro novas descobertas biológicas, interfiro neste processo. Para mim seria impensável fazer algo diferente, por ter crescido em um ambiente tecnológico. Não se deve confundir os meio com os temas. O pintor não usa o pincel e o óleo como tema, eles são meios. É um trabalho poético que explora sutilezas, ambigüidades, relações que vão ficar depois que a manipulação de genes não for mais novidade.
Em novembro, Eduardo Kac, que tem uma carreira de 20 anos e participou da histórica exposição do Parque Lage Como vai você, Geração 80?, lança o livro Luz & letra pela ediotra Contra Capa. Trata-se de uma compilação de textos dele publicados em jornais, entre 1982 e 1988.
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